A binária vida de Bino
Bino sempre fora um sujeito dado ao recomeço.
Se algo não ia bem, furtava o ar à sua volta, estufava o peito dolorido e, arfante, dizia para si “vou começar tudo do Zero” e ao ‘0’ ele buscava. Sempre, e a cada passo primeiro, pensava “hoje será o marco inicial. O dia Um”, mas nunca havia o dia dois, três ou quatro. Logo se rendia e percebia – ou sentia – que o caminho que seguia era curto, sem sentido ou sem saída. Voltava então ao ‘0’ para recompor-se e preparar-se para o ‘1’ que lhe aguardava logo ali, no passo adiante, no dia seguinte, na hora próxima ou num porvir que o tomava pelos calcanhares. Certeza irrefutável de que sua vida começaria a qualquer instante e pra valer.
Conheceu uma moça certa vez por quem se apaixonou perdidamente. Uma mulher dotada de razão. Que estupendo ‘1’ ela representaria. Permitiu-se um ‘0’ mais demorado, concentrado, pois este seria um recomeço especial. A moça era, além de bela, inteligentíssima. Tinha um gênio terrível, há de se dizer, mas não anotou essa observação como defeito. Era yin e yang. Plena!
Atingiu o coração da pequena com maestria e se julgou o mais venturoso dos seres quando iniciaram seu belo romance, mas os problemas surgiram. Pequenas discussões diárias que desgastavam a ambos, mais ainda a ela. Houve uma primeira separação e Bino se desesperou. Afinal, muitas coisas haviam passado em sua vida enquanto estava junto dela. Muitos recomeços. Mas ele tinha a mulher que, ao que tudo indicava, era a exata escolha para os dias – e anos – que viriam. “Casar?”. Sentiu um calafrio quando pensara pela primeira vez nesta hipótese. “Seria um recomeço para nós dois”. Comungou com aquela garota uma possibilidade grandiosa – Ainda que não tivesse dito a ela que comungavam qualquer coisa. Mas essa primeira briga o abalou e em sua absoluta desesperança jogou-se aos seus pés e expressou seu amor e intenções futuras. “CASAMENTO... Haveremos de nos casar” disse aos prantos. A moça se apiedou e pesou em si o sentimento. Gostava do sujeito. Seguiram enamorados.
O tempo vai passado e a convivência, que era remédio para os males do mundo, tomado em doses regulares, parece transformar-se. Se não em veneno, numa mistura amarga. As brigas eram agora parte do cardápio e a cada nova discussão muito choro e lamento, mas... Sempre um recomeço. Um ‘0’ para cada qual e logo um ‘1’ juntinhos. A moça foi se entristecendo a cada nova discussão e se sentindo infeliz. Bino? Este era um só sorriso a cada novo recomeço. E a moça, que além de bela era inteligente, constatou que com aquele homem ela jamais poderia ser esposa, como sonhara desde sempre. Ele vivia sua vida na perfeição.
“Vou embora. Não me procure” dizia o bilhete escrito num papel mal cortado.
E assim acabou aquele conto de fadas em que Bino se realizava. A moça, inteligente e também bela, soube que Bino não casaria. Não arriscaria viver um ‘2’ numa relação tão bem recomeçada de tempos em tempos. Ele mesmo soube disso quando se jogou aos pés da moça, pois havia percebido a plena felicidade naquele belo recomeço. Ele a amava entre ‘0’ e ‘1’ e nunca seria aquém ou além disso.
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