A criança

Nasceu sob um sinal problemático, a criança que veio ao mundo para sofrer. Ela, dentre todas as crianças do mundo, veio ao mundo somente para sofrer. Há os que dizem todos os dias, sem tantas variáveis nas menções, que mesmo colecionando tantos maus momentos, há também aqueles que nos resgatam e dão-nos esperanças de um bom dia, com boas ações, mas esse discurso é fraco, batido, ainda mais para a criança que nasceu para esmorecer...

Deparar-se com os risos e as velhas histórias motivacionais cruzadas, causa-lhe demasiado sofrimento. Tem em si a esperança como o pior dos sentimentos, a pior das sensações, está ali apenas para mostrar-lhe que aquilo que queira, não possui, e o desejo de possuir é cansativo, é expectador de grandes quedas, de grandes anseios, anseios que são monstrinhos que possuem garras pequeninas e finas, mas afiadas e maldosas, que remexem seu estômago e ameaçam furar seu peito, sem deixar sinais em sua pele, para que ninguém possa ver.

Tudo o que ocorre é interno, tudo muito lá dentro, tudo abaixo de tantas camadas e até dos ossos, que mesmo sendo ossos, também forçam dor contra os nervos.

A criança que nasceu para sofrer, não dá-se ao luxo de permitir que seus órgãos saiam de tal transe, de tal conforto de não aguardar nada, de viver em desânimo, pois quando por mínima que seja a mudança, ela toda confunde-se, ela toda mostra-se não conhecer-se, e desconhecer a si mesma, é desconfortável demais.

A criança pensa muito. Mordeu dia desses uma maçã, seu líquido banhou sua boca, aprazeu seu paladar, mas trazia consigo pena de si mesma, poderia a fruta ter deleitado aos vermes, não à menina. A sensação de não merecimento tornou-a amarga, e amargos merecem amarguras, e nisso há lá certo prazer, por certa legitimação.

A menina chorava, chorava demais! Chorou tanto que tornou-se comum chorar, era quase questionada quando não o fazia, e quando perguntada sobre os motivos de tais sofrimentos, sentia-se ingrata, não havia mesmo nada de concreto, estava em sua cabeça, sua pequena cabecinha que não entendia quase nada em sua volta, sentia em excesso o inexplicável, aquilo que nem ela mesma poderia filtrar.

Reparem na criança que nasceu para viver grandes sofrimentos! Ela vive tentando surpreendê-los, vive mendigando atenções, é até mesmo estranha.

Reparem na criança antes que torne-se adulta! Passará sua vida mordendo maçãs, sentindo o mundo cair, dando passos pesados, e reflexões que cansam seu corpo.

Carolina Maria Souza
Enviado por Carolina Maria Souza em 04/07/2019
Reeditado em 30/05/2023
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