ENTRE ADEUSES E SAUDADES

ENTRE ADEUSES E SAUDADES

*Rangel Alves da Costa

A despedida é certa, inevitável, mas as dores, as tristezas e as saudades também. Somente o fato de não ter mais aquela pessoa ao lado, de poder encontrar, falar, olhar nos seus olhos, encantar-se com os seus pequenos encantamentos, já nos provoca uma profunda aflição.

Perder um pai, uma mãe, um irmão, parente próximo ou grande amigo, abre no ser uma orfandade sem fim. A carência da presença, do olhar, da palavra, da certeza do convívio. Mas de repente os sopros de vento transformam-se em ventanias, e estas levando ao longe as estimas do coração.

Avistar uma cadeira e nela não avistar mais quem ali gostava de repousar. Enxergar um canto de casa e ali não encontrar mais quem tanto gostava de estar. Andar pelas ruas, passar pelas calçadas, percorrer praças, e não mais poder avistar quem sempre estava por ali para um bom dia, um boa tarde, um abraço, uma palavra qualquer.

Em muitos, um luto que se eterniza. Um enlutamento que não precisa de vestes escuras para mostrar a dor e o sofrimento pelos adeuses, pelas perdas, pelas ausências. Um luto que brota na alma e vai tomando todo o ser. E quando se pretende amainar as recordações, eis que os instantes parecem chamar os ausentes.

Sim. Um chamado que chega na própria recordação, mas que também pode despontar nas coisas mais simples. A mesa está mais vazia, o canto do sofá sempre está desocupado, falta o perfume, o aroma, falta a habitualidade nos pequenos afazeres. E os retratos, as lembranças que ficaram, os álbuns, os livros, os cadernos, os baús.

O luto interior se torna, assim, num modo de preservação da memória. Dói demais, é demasiadamente entristecedor. Mas também um luto não revelado e que pode até não reconhecível exteriormente, eis que a pessoa pode mostrar alegria, contentamento, mas ainda assim restar padecendo por dentro.

Talvez seja a ideia da continuidade do ser e, mesmo a certeza de que ninguém é eterno, sempre dificulta a aceitação da partida. Daí o espanto, o susto, o não querer acreditar no fato de a morte chegar. E espanto duradouro e que ainda permanece no ser por muito tempo ou mesmo enquanto a vida durar. Há a certeza da morte, mas jamais a sua aceitação.

E com razão de ser assim. Muitas vezes, somos muito pequenos e muito frágeis para nos guiar sozinhos, e daí precisarmos tanto de pessoas que nos ouçam, que nos aconselhem, que nos dê a mão. Mesmo adultos ou já envelhecidos, sempre precisamos de alguém que nos conduza na palavra, no aconselhamento, num olhar que diz tudo. Por isso precisamos tanto das pessoas e tanto sofremos pelas suas despedidas.

E quando tais pessoas se vão, se despedem de nosso convívio, é como se não conseguíssemos aceitar a separação. E o luto se eterniza na lembrança, na saudade, na lágrima que de vez em quando insiste em se derramar. O que resta é sempre muito pouco para a grandiosidade da presença em vida. Um retrato na parede, um objeto de estimação, uma prece.

Nesta luta entre céu e terra, entre o que vivemos e o desconhecido, o grande segredo revelado em nossas vidas: jamais estamos completamente vivos, pois morremos também um pouquinho com cada ente querido que se vai. No mesmo sentido, outra revelação: na morte, quem mais morre são os familiares e os verdadeiros amigos. E assim por que a morte finda a pessoa, porém permanece naqueles que ficam.

Mas o que nos resta viver é o que nos deve fortalecer para vencer os desafios, a caminhar entre flores e espinhos, a viver e conviver de modo a, num inesperado qualquer, tornamo-nos também uma saudade boa ou uma grande saudade. Em 2009 minha mãe foi ali e nunca mais voltou. Olho aos céus e a encontro bela e sorridente. Sei onde está e como está, mas a saudade continua. Em 2012 o meu pai foi contar estórias e causos sertanejos noutro lugar, e nunca mais voltou. Seus sertões agora são celestiais. Mas sinto o seu sorriso e a sua palavra a cada instante. Meus avôs e avôs já partiram, muitos laços familiares já foram separados pelos mistérios entre terra e céu.

Meus sentimentos talvez sejam os mesmos daqueles que perdem os seus. E muitas famílias enlutecem a cada dia. Lágrimas que continuam sem rostos molhados, gritos que ecoam no silêncio da voz, dores que afligem os íntimos da alma. Somente Deus para saber o tamanho da melancolia e da saudade - e sempre contínua - dos filhos e parentes daqueles que de repente deixam a vida terrena.

Mesmo em despedidas recentes, as mesmas partidas que continuarão sendo sentidas ainda que depois de passados muitos anos. Não há como evitar. Quem ama sofre. E talvez este seja o mais terno, sincero e compreensível dos sofrimentos.

Escritor

blograngel-sertao.blogspot.com