Bons Momentos

Não saberei precisar a data em que escrevi a crônica intitulada A Vida Como Ela É. Na oportunidade, teci breves comentários sobre o mal de Alzheimer, doença degenerativa e progressiva, responsável pela perda da memória, dificuldades de raciocínio e complicações de ordem comportamental.

A terrível enfermidade costuma acometer o paciente depois dos cinquenta anos, intensificando-se aos sessenta. Não tratarei do assunto com especificidade, pois me falta conhecimento científico para fazê-lo.

Hoje, falarei sobre as aptidões humanas e do início à decadência física e orgânica do indivíduo, que nasce, cresce, adoece e, finalmente, morre. Para expor o assunto, valho-me de interessante gráfico fornecido por um amigo, segundo o qual, nosso tempo de vida transcorre assim:

Aos dois anos, andamos aos tropeços; aos quatro, deixamos de urinar na cama; aos doze, iniciamos o círculo de amizade; aos vinte, nos tornamos ativos sexualmente; aos cinquenta, começamos a nos preocupar com velhice; aos sessenta, intensificamos as ações sexuais, antes de a disfunção erétil nos alcançar impiedosamente; aos setenta, sentimos falta dos amigos, alguns já morando nas mansões celestiais; aos oitenta, voltamos a mijar nas calças; e depois dos oitenta, se chegarmos lá, andaremos em cadeiras de rodas, pois a artrose não cederá aos nossos apelos.

É bastante doloroso esse estágio irreversível da condição humana. Dele ninguém escapa. Precisamos manter a mente e o raciocínio ativos, conselho que transmito aos amigos de minha faixa etária, com os quais costumo me reunir para divertidas prosas do nosso cotidiano.

Reciprocamente, compartilhamos nossos problemas de saúde, nomes dos médicos que nos assistem e remédios para nossos infindáveis males. Alguns contam histórias fantásticas, variados causos de sadio humor, enquanto os mais afoitos, sem avermelharem os rostos, alardeiam boas condições físicas, incompatíveis com a idade, situação financeira de causar inveja, e vigor sexual duvidoso. Às vezes, por gozação; outras tantas...

Não esqueçamos. O Alzheimer nos faz perder a memória, dificulta o raciocínio e complica nosso comportamento. Portanto, aproveitemos os momentos de lucidez que nos restam, idosos que somos, para manter com os amigos os melhores momentos da vida: conversar, transmitir experiências, contar histórias de um passado glorioso, mesmo que seja, digamos, duvidoso. Faz parte da vida, pois não?

Para ilustrar os momentos de descontração e lazer passados junto a amigos do meu círculo de amizade, contarei uma historinha narrada pelo mais irreverente deles, cujo nome opto por não declinar, resguardando, assim, a intimidade desse velho companheiro de lorotas. Vejamos o que nos contou:

– Lá pelas bandas de Cristalina, cidadezinha encravada no Estado de Goiás, existia um personagem folclórico de nome Francisco. Seu Chico era um fanfarrão contumaz, cujas façanhas alardeava aos quatro ventos do município. Na pracinha do lugar, rodeado de amigos, ao passar uma mulher, dizia ele: “Essa aí, eu já...”. Chico concluía a sentença pressionando a mão direita sobre o punho esquerdo fechado, indicando sua vitoriosa conquista amorosa.

Certa vez, Chico necessitou de ir ao dentista. Sentado na cadeira espaldada, tendo o cirurgião por sobre seu corpo, forçando-o a permanecer imóvel, ouvia-lhe perguntar:

– Você está transando com minha mulher?

A cada palavra, o dentista extraía-lhe um dente, sem anestesia, seguido de gritos pavorosos de Chico. Concluída a “operação vingança”, o paciente, visivelmente abatido, deixou o consultório e bandeou-se calçada afora.

Dias depois, na praça da cidade, ao passar uma mulher, alguém lhe perguntou, indicando uma transeunte que caminhava garbosamente pelo passeio público:

– Está comendo?

Chico respondeu dolorosamente: Papa! A boca desdentada dificultava-lhe emitir uma expressão mais audível, enquanto o cérebro emitia sinais de terríveis lembranças dos momentos passados na cadeira do dentista.