TOIM DOIDO

TOIM DOIDO

Jaques Valadares

Quando eu me entendi por gente, conheci um rapaz que era chamado por Toim Doido. Ele tinha, com toda certeza, uma elevada psicose, muito embora inteligente e detentor de certa cultura. Diariamente em sua pouca lucidez falava coisas sem nexo, mas muito bonitas! Não era agressivo, era muito educado e não gostava de questionamentos. Mesmo sendo “doido” sempre tinha respostas e argumentos que surpreendia as pessoas.

Ele vivia sempre na zona rural, não gostava de cidade. Revezava suas estadias de vários dias e até semanas nas fazendas, sempre em casa de fazendeiros e nunca em casebres de agricultores, ainda porque nestes dificilmente ele encontraria livros ou revstas.

Naquela época de grande índice de analfabetos no país, lógico que com maior concentração na zona rural, ele era uma exceção, bem letrado e sua atividade precípua era a leitura.

Toim doido chegava às fazendas e sem pedir pouso ou licença, “assentava banca.” Isso preferencialmente, aonde existisse livros e revistas – Era época das revistas de fotonovelas em quadrinhos, muito lidas por jovens e intelectuais – aquela literatura era a preferida do nosso personagem. Porém lia também romances, faroestes, etc. Ele ficava em cada casa que houvesse livros, até ler todo o acervo. Terminada a “tarefa,” partia sem se despedir e sequer agradecer a estadia. Algum tempo depois voltava assim como saiu e depois saía como chegou. Era o seu sistema: fazia um rodízio de estadias nas fazendas.

Ele não tinha mala, nem qualquer tipo de alforje, embornal ou sacola, portanto, não tinha muito que levar nem que trazer. Contudo, trazia nos bolsos da roupa que usava Um espelho de bolso e uma navalha, com a qual aparava o próprio cabelo e rapava a barba na frente do referido espelhinho oval, enganchado em um galho, raiz ou encostado numa pedra no barranco do córrego, onde tomava banho. Trazia ainda um canivete, um pedaço de fumo de rolo e o isqueiro. Pois era viciado em cigarro, especialmente o tabaco lavrado, enrolado em palha de milho, que encontrada com fartura no paiol de qualquer fazenda. Este era o cigarro mais acessível.

Embora, não mudava de roupa, tomava banho todos os dias e para tanto pedia qualquer espécie de sabão nas casas em que se hospedava. Muitas vezes, no córrego aonde ele tomava banho, lavava a roupa e esperava-a enxugar para vestir.

Talvez pela forma de ser as pessoas interioranas, não notavam a poesia que existia no falar e até no comportamento de Toim Doido, não valorizavam suas sábias e de difícil compreensão frases, pois as viam apenas como loucura e aversão ao trabalho, que na época e região era pesado, braçal, cansativo, suado e que não fazia o seu gênero.

Eu cresci convivendo com o nosso personagem e tornei-me seu amigo e em comum tínhamos o interesse pela leitura. Eu o admirava e via-o como um talentoso poeta incompreendido.

O impressionante foi que segundo as pessoas de mais idades que o conheciam muito antes de mim, pasmos afirmavam que eu fui à única pessoa que o levou a trabalhar. Sim senhor! Toim Doido, violando seu costume foi comigo para a roça e comigo capinou preparando terra para plantar feijão, isso durante alguns, não poucos dias.

No fim da década de sessenta eu deixei a roça, me mudei para a cidade e, consequentemente me desliguei do amigo Toim Doido, às vezes voltava para passear no antigo lar, mas não coincidia de encontra-lo. O tempo passou inclemente, dia a dia e Toim também passou. Primeiro fiquei sabendo que ele estava internado, muito mal de saúde em BSB, ato contínuo recebi a notícia de sua morte e que o mesmo fora sepultado como indigente, na capital. Ainda que o nosso relacionamento haja se interrompido há muito, a notícia foi doída e até os dias de hoje não melhorou.

Já passaram-se quase cinquenta anos, mas, me lembro com muitas saudades do amigo Toim Doido. Há alguns anos escrevi uma poesia em sua homenagem, intitulada: O Poeta Se Foi, naturalmente o tive como musa inspiradora. Eu publiquei a poesia na página 35 do meu livro: Sorriso da Natureza, lançado no ano de 2011 e gostaria que ele tivesse tido a oportunidade de ler meus livros.

Embora já se encontre também publicada neste site, por oportuno, uma vez que agora com a história que a originou, apresento-a novamente.

O POETA SE FOI

Sob a árvore frondosa, à margem do rio ele ficava

Às vezes ao lado do caminho que à fonte levava.

De maneira esquisita, viver como eremita,

foi sua ação favorita.

Era diferente, irradiava a felicidade,

Pois no seu coração nunca existiu maldade.

Com um olhar distante buscava a todo instante

A sua musa amante.

Em sua humilde existência passou despercebido,

Viveu sem badalação, embora muito conhecido.

Sempre solidário, mesmo sentindo desnecessário,

Tornou-se então lendário.

Criaram lendas e fábulas ao seu respeito,

mas alheio a tudo, viveu do seu próprio jeito.

Alimentando das fatias da sua poesia

Tinha no olhar a magia!

Caminhou por caminhos tortuosos e escuros,

Fez do passado o presente e do presente seu futuro.

Sem manifestar paixões ou alimentar ilusões,

me deixou reflexões.

Como tudo passa ele também passou,

Partiu discretamente, assim como chegou:

Sem manifestar em que mundo ou lugar

Onde iria morar.

Agora numa campa fria, o poeta dorme em paz,

Ficou a sua poesia, em tudo que já não faz,

Contudo, poemas perfeitos surgidos do seu jeito

levou dentro peito.