LEIA O LIVRO QUE AINDA NÃO ESCREVI

Leia o livro que ainda não escrevi

Marília L. Paixão

Não caberá no bolso, pois este é muito pequeno para nossos anseios tolos ou intelectuais ousados demais. Não caberá na cabeceira da cama, onde as fotos que recomendo deixar bem a vista não podem ser substituídas por escrita nenhuma nem minha nem de ninguém. O nosso sorriso deverá vir sempre em primeiro lugar. Essa é uma coisa que não estará escrita, pois por milhões já foram ditas. Eu vou procurar dizer aquilo que pensamos, mas ficamos em dúvida se serão ou não bem ditas por nós ou por qualquer outro.

Escrever é mais seguro que falar. Depois de escrito apagamos o que queremos, mas a fala, essa maldita, dá tanto trabalho depois de verbalizada... Desdizer-se é muito mais complicado que reescrever-se. Assim escreverei abertamente com todos os meus olhos. Com a ousadia de quem deseja ser útil procurarei imaginar os seus. Se bem abertos, como estarão, se semi-fechados, como serão. Adivinhar pode parecer coisa de mágicos, mas os escritores têm um pouco dessa coisa na alma pensante. Culpa da arte, da criatividade, e da não vã sabedoria que tenta ficar atenta ao novo.

Há coisas que são eternas assim como sentimentos. Quantas formas existem para falarmos do mesmo amor pelo próximo, seja amigo ou amante, seja mãe, pai ou filho? E quando nossas letras retratam países, falta de paz e existência da guerra, coisas das pátrias e bandeiras, das rosas e dos arames, das pedras e das cores, da energia solar ou luz do luar, dos computadores, dos novos seres e novos amores?

E quando nos referimos à dor, ao perdão, a liberdade, a injustiça ou pura maldade seja por ignorância ou indiferença política? E quando nos voltamos para a natureza como se ela fosse a única beleza mágica e pura sem rancores por mais que ela agora nos ameace através do aquecimento global... Mas o que mais nos ameaça? Nossos próprios presidentes parecem nos presentear com uma nova ameaça dia após dia. Nada mais é confiável neste universo que nos rouba o prazer da calmaria. Quando não roubados, somos enganados pelos supostos protetores do povo e da nação.

Por fim, temos as linhas eletrônicas cada vez mais substituindo linhas telefônicas. O poder da escrita vencendo o poder da fala. A fala que quando maldita, arruma depois um advogado que a tudo explica. Será que explica? O que terá um livro novo que ainda não foi falado, escrito ou cogitado? Tudo será velho até que um livro é editado, menos a forma como o interpretamos e o guardamos por dentro. O grande livro é aquele que faz morada em nosso pensamento.

O livro que ainda não escrevi, tem o desejo de estar em suas mãos primeiro. Este já passa pelas minhas cada vez que penso se ele fará algum bem verdadeiro. Então penso sempre que sim e escrevo. Posso estar certa, posso estar errada, mas é essa certeza que mais me leva a querer escrevê-lo, a certeza de ter tanto em comum com a maioria que desejará lê-lo. São para estes que escrevo. Estes que passam pelo sabor das letras admirando-as de fato. Estes que sabem bem como elas são e como é que elas vêm e vão.

Marília L Paixão
Enviado por Marília L Paixão em 22/09/2007
Reeditado em 22/09/2007
Código do texto: T663926
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