...O MAR SECOU, E AGORA JOSÉ?

A longevidade pode ser uma “dádiva” gloriosa na concepção medíocre da filosofia do viver.

Entrei no ritmo. Apertei mãos, abracei colegas, fui homenageado por velhos amigos e ouvi as tradicionais mensagens de felicitações, traduzidas na consagrada frase: ”Que essa data se reproduza por muitos e muitos anos”.

Quando menino, a correr livre nas ruas e vielas de minha infância, acreditava que somente os outros envelheciam, ou, no mínimo, demandaria uma eternidade para que eu pudesse ver alguns cabelos grisalhos despontarem em minha cabeça, algumas rugas impregnarem-se em meu rosto. Mera ilusão, a eternidade nem demorou tanto. O tempo passou e com bastante pressa.

Não sei quanto tenho ainda de crédito para concluir essa jornada de vida que me impuseram, mas não há de minha parte grandes preocupações quanto esse detalhe. A velhice sim, essa me apavora, causa-me medo, muito medo.

É nesse humilhante estágio da vida onde quase sempre se aquilata a distinção entre o viver e o tão somente existir. Não há nada mais degradante que sentir o corpo tolhido resignar-se aos arroubos do cansaço, do desanimo. É nessa fase degradante onde a força vital pulsante do espírito parece agonizar silenciosamente, enclausurada num corpo moribundo que já não responde aos estímulos do cérebro, que desobedece e afronta a razão da própria vontade agora usurpada.

Causa-me ojeriza me ver sentado na varanda de um tempo perdido com os olhos no distante e em meio a tantos desvarios, me pegar carteando as minhas tolas histórias, como se fossem esplendidas e magníficas glórias.

Causa-me desgosto ver impregnado na memória os meus trunfos, as minhas experiências vivenciais. E, pior, consagrarem-me um nobilitado, um poço profundo de conhecimento e sabedoria, como se fossem insígnias honorificas “generosamente” consagradas pela velhice.

Causa-me pavor me ver alimentando reminiscências do saudoso vibrão que fui diante da pragmática da vida. Do destemido e afoito lobo do mar que a bordo de minha nau cruzou mares, velejou em águas turvas em busca do desbravar de tantos sonhos. E agora diante dessa convicção tão desilusória pressentir que o tempo me fez “baixar terra” para o descanso do corpo carcomido pelo peso dos anos.

Causa-me terror me deparar com o meu rosto fixo na imagem do espelho da realidade e ouvir os fantasmas da vida a me dizerem em sussurros deprimentes: tá vendo, meu velho, nesta vida, nada vale nada..., tudo é uma doce ilusão! Você velejou tanto, aprendeu tanto, amealhou tantas vitórias, mas ancorou no mar da desilusão!

Não posso mudar o curso natural do determinado. Até consigo torná-lo menos frustrante, mas a vida vai cumprindo sua missão, utilizando-se de uma metodologia de ensino cruel: primeiro a vivencia, depois a lição, quase sempre amarga. Dói ouvir a voz do tempo sussurrar aos meus ouvidos e dizer: o teu mar secou, meu velho. E agora, José?

Eduardo Conde
Enviado por Eduardo Conde em 29/04/2019
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