O QUE É FELICIDADE

Por causa de alguns artigos em que me confesso ateu e traço comentários sobre a inexistência histórica do Cristo, recebi um e-mail interessante. O remetente deve ser crente, seguidor dessas igrejas que abundam por aí e colocam o nome de Cristo na boca de seus seguidores como chiclete. Eles mascam, mascam e o cospem em qualquer lugar, a qualquer hora, sem pensar no que estão falando. Pois bem, nas entrelinhas, esse indivíduo me acusa de ser infeliz porque não creio no Cristo dele ou deles. E diz que, independente de sermos isso ou aquilo, o Cristo nos ama. Bem, isto é problema do Cristo: se ele me ama ou não. Absolutamente não interfere – esse pretenso amor do pretenso Cristo – nem um átimo em minha vida. Em segundo lugar, e isso é realmente o que interessa, tal assertiva me levou a pensar no que seja felicidade.

O missivista acha que sou infeliz e credita a felicidade à crença em algo que ele não sabe muito bem o que é e que chama de amor do Cristo pela humanidade. Ou seja, só é feliz o indivíduo que acredita nisso. Num valor que não precisa ser provado. Basta que se creia nele. Portanto, a felicidade está em algo absolutamente abstrato. É como achar que só é feliz quem acredita em saci-pererê ou na luz das estrelas, tanto faz. Com a diferença que a luz das estrelas, embora captada com milhões de anos luz de atraso, existe. O que eu quero dizer é que o homem se apega a crenças, a qualquer tipo de crenças, com o intuito de ser feliz. Coloca a felicidade como um bem que depende de outras coisas. De um bem que não está no homem, mas fora dele. Busca-o, principalmente, no abstrato ou, como o fez o homem primitivo, na crença em forças sobrenaturais, em deuses. Deuses que foram criados pelo homem com o intuito de explicar aquilo que ele não sabia. Logo, o homem continua na ignorância do que seja a felicidade.

Realmente, o conceito de felicidade não se acha registrado em nenhum dicionário e não está efetivamente explicado em nenhum compêndio de filosofia, por mais tinta tenham gastado filósofos, religiosos e outros na tentativa de explicá-lo. Voltaire, por exemplo, com seu Cândido, comete uma daquelas besteiras históricas – besteiras que se arraigam para sempre no imaginário do homem e se tornam paradigma – quando coloca na aceitação e numa pretensa pureza a origem da felicidade. Antes dele, a bíblia dos judeus já nos dera a história de Jó, também um paradigma equivocado de aceitação de todas as mazelas para agradar a um deus e alcançar a felicidade. Todas essas tentativas de metaforizar a felicidade através de exemplos morais e edificantes só serviram, mesmo, para estupidificar ainda mais a inteligência humana e reduzir uma das mais angustiantes buscas do homem a questiúnculas infantis e absurdas.

Na verdade, a felicidade não é um estado a que o homem possa chegar, como um lugar, ou um paraíso. Também não é um estado de espírito, ou seja, um sentimento que brota de uma motivação interior ou exterior. Porque simplesmente não existe o que se chama comumente felicidade. Ao dar um signo a um sentimento que decorre de um momento de adequação entre uma expectativa e sua realização, o homem criou o mito mais cruel de toda a sua existência – o mito da felicidade. Cruel, porque não se cumprirá: o homem, como entidade, jamais terá felicidade. Ou seja, não é um bem que possa ser alcançado pela humanidade. Não se coletiviza nem se corporifica no indivíduo. Nem a humanidade nem o homem individualizado, portanto, atingirão a felicidade. Simplesmente porque é um mito, algo inventado, transformado em moeda de troca por filosofias rudes que pretendem ver na busca da felicidade uma forma de escravizar o homem e explorá-lo politicamente e economicamente.

Se desmistificarmos esse mito, se compreendermos que o homem tem um destino muito mais nobre na terra, do que buscar utopias, muitas crenças sociais, políticas e religiosas desmoronam como um castelo de cartas. E o emprego de muita gente vai para o ralo. Fortunas deixarão de ser amealhadas. Deuses serão derrubados de seus pórticos. Líderes perderão seu poder sobre a multidão. Em compensação, livres de entraves escravocráticos, o homem poderá ganhar o respeito a si mesmo e ao outro e buscar valores mais palpáveis e necessários à sua sobrevivência no universo: a adequação à natureza, a busca de melhores condições de vida, o equilíbrio entre o ter e o ser, a evolução do conhecimento e sua utilização para a vida e não para a morte. E, acima de tudo, deixar de lado o culto da morte, apanágio de crenças primitivas, que serão banidas para sempre do imaginário humano.

Mas isso também é uma utopia. Infelizmente...