CADUCAR DO TEMPO
O mais delicioso de tudo é destravar alguns gomos que permeiam os pensamentos. São fatias inocentes, por vezes indecentes, daquilo que tencionamos ser, como véus que vão se sobrepondo um a um. Degustar esses passos soturnos nos deixam guerreiros em flor, dignos reflexos do que a vida esculpiu, cerziu, fecundou. Dá um prazer danado escancarar os tais fantasmas que levamos na mochila dos medos, cidadãos ocultos que ficam contando seus vinténs sem sossego, revirando a areia que dá coceira nas vontades, feito afrescos camaleões mal ajambrados, um tanto fugazes foliões. Adoro desatracar meus venenos, torpores absurdos que trago fincado à pele, como dádiva orgulhosa dessas andanças à deriva, Faz um engodo maluco cravejar meus flocos de desejo, entremeando seus espinhos com pálidas canções, lindas bênçãos de ninguém. Hoje já mais desmamado e já desfigurado nos alaúdes da fé, consigo respirar sem aqueles nós na garganta que outrora tanto me fizeram sofrer. Acho que agora já entendo o que faz as dobradiças das saudades rangerem tanto. Já consigo decantar o que o outro atira em mim sem as chagas rebeldes da vingança. Isso só vem com o caducar do tempo, quando passamos a acreditar no que a pedra diz, no que o peixe cambaleia, no que a avelã se inspira. Hoje sou capaz de estrebuchar o que certos porões guardam só pra si. Hoje virei homem com todas miçangas. úteros e vulcões que poderia caber num teco de suor.