À la minuta

Anos 70 e o modelo janela do ar-condicionado ajudava a agitar a economia do país e autônomos instaladores faziam parcerias com os empreendedores que vendiam o aparelho casado com a colocação.

Eu, mais uma nova vítima do capitalismo, resolvi aceitar uma proposta de um amigo. Meus hormônios estavam à flor da pele. A busca do prazer de todo adolescente da época era frustrada pela falta de dinheiro e não havia perspectiva de trabalho para aquele adolescente que andava teso como um carapau.

Tuninho dizia que o escopo era abrir buracos nas paredes de um prédio residencial na zona sul da cidade. Surgira a grande oportunidade de poder juntar uma grana para comprar o jeans tão desejado e ingressos para assistir às duplicadas sessões de cinema brasileiro e kung fu.

No dia seguinte acordei bem cedo e embarquei naquele Opala preto com bancos de couro, rodas de magnésio e tocas-fitas Roadstar. O patrão ostentava o seu automóvel a passar voando pelas ruas do bairro a deixar os que seguiam a pé para o caminho da labuta a invejá-lo. E ali estava eu com meu amigo sendo carregado para estreiar meus braços a marretar a quadrela que nos aguardava ansiosa para que pudesse ser refrigerada pelo clima antártico.

A vítima de minhas pancadas era um emboço maciço e pude sentir muita dificuldade para concluir minha tarefa enquanto Tuninho com sua prática já havia terminado a sua e me aguardava para almoçar com o chefe que estava a nos esperar no restaurante frente ao local. Depois de muito sofrimento e assistido pelo colega, terminamos a primeira parte e a fome me induziu a desejar dois bifes grossos com batatas fritas e uma jarra de suco de laranja. Foi essa minuta que solicitei ao garson enquanto os outros degustavam simplesmente o prato feito a me olhar com criticidade.

Ao retornar para o apartamento, a segunda e derradeira parte do serviço foi apenas limpar os cascalhos da obra e sonolento, esperar o profissional em acabamento finalizar e preparar a instalação dos tão sofisticados aparelhos de refrigeração.

Ao término, o patrão nos reuniu para realizar o pagamento e fui o único a não receber o salário e quando questionei, recebi a resposta:

- Você comeu o prato mais caro do restaurante que ultrapassou o valor do seu dia e infelizmente não tens direito a nada.

Naquele momento percebi que o marinheiro de primeira viagem estava a ver navios, pois pagara um juro muito alto devido ao pecado da gula:

"Porque o beberrão e o comilão caem em pobreza; e a sonolência vestirá de trapos o homem".

Ed Ramos
Enviado por Ed Ramos em 08/04/2019
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