M E G E R A !
Ela deve ter sido uma boa bisca. Foi mandada embora várias vezes. Desde criança não assentava pouso. Quando pequena era levada de lá para cá e cá para lá com uma malinha. Vida difícil, complicada. Mas de tão boa bisca ela segurou firme a onda. Foi crescendo e a coisa só foi se intensificando. As cacetadas da vida só eram mais fortes na saga contínua de lá para cá e de cá para lá. Diferente agora. - Você já não é mais criança, se vira. Para onde você vai, como você vai, é responsabilidade sua -. Ainda um pouco antes de poder decidir-se só para onde e como, foi escorraçada só com a roupa do corpo portão afora, depois de uma boa surra, da qual ela nem entendeu bem porque. Era o que lhe cabia na tenra adolescência. É certo que nunca foi abandonada pelo universo. Sempre haveria uma mão amiga estendida para dar apoio e ajudar no impulso de se levantar. E continuou. Da ultima vez, já pelos 21, foi mais uma vez convidada a se retirar, que ali não era seu pouso. Como iria, para onde iria, o que faria, como faria, nada disso interessava. Importante apenas era lembrar que tinha um pequeno prazo para se retirar.
Decidiu, ou foi obrigada a decidir-se por tomar conta de si mesma. Felizmente já trabalhava. E lá foi experimentar a vida de quem divide apartamento, mora em pensionato, trabalha e paga sua moradia de acordo com o que ganha, não importando se o dinheiro alcançava ou não muito ou pouco conforto.
Mas a vida muda, o mundo da voltas, o mundo é redondo. E um dia ela teve que mandar embora. Suportou até o último limite que é aquele que mata todo e qualquer sentimento. Grande erro. Ela deixou que matassem os sentimentos. Ela não pensou que se as pessoas não se entendem, um afastamento é uma boa decisão, evita maiores mágoas, ressentimentos, preserva os, ainda que parcos, bons sentimentos.
Mas enfim ela mandou embora com um aporte que nunca teve na vida.
Mandou embora para uma casa. Para um endereço certo. Toda mobiliada, grande, com toda estrutura, relativo conforto, plantas e etc. E ainda chamou o caminhão para levar a mudança. E teve todo cuidado e esmero. - Moço, toma cuidado, não estraga nada, não quebra nada. E ainda pagou para levar a mudança. Mas ela mandou embora. Foi necessário. E ela sabe que foi a única decisão possível. E agora o que ela é? Uma M E G E R A! - Onde já se viu fazer isso? Porque fazer isso? - Você não tem medo que aconteça alguma coisa? - Essa gente sabe não. Sabe de nada da vida não. Só não lhes falta empáfia. Ares de juízes e sabedores de tudo para julgar o que sequer conhecem.