ERA UMA VEZ EM UMA CAVERNA PERTO DE BRUMADINHO

Ainda em uma das muitas cavernas existentes no mundo, houve um desmoronamento de terra, causando a morte de cinquenta pessoas, enquanto outras cinquenta que estavam no mesmo local naquele mesmo momento foram salvas, sem nenhum arranhão.

Pelos corredores da caverna ecoavam exclamações, tais como:

“Que tragédia!”

“Que desgraça!”

“Que benção!”

“Que milagre!”

Arrastando sua pequena cauda na poeira da chão bruto da caverna, um macaquinho para diante de seu Mestre e questiona:

“Senhor! Qual é a expressão mais exata: “Que desgraça!” ou “Que benção!” “Qual delas corresponde à realidade do fato que aconteceu?”

Calmamente o Mestre lhe respondeu:

“É muito simples!”

“Como assim?” indagou o pequeno primata.

“Depende muito do lado em que você está! Se você está entre os mortos, seria uma desgraça, caso você esteja entre os sobreviventes, seria um milagre!”

“Seria o milagre uma obra de Deus?”

“Se você colocar os deuses no milagre, onde eles estariam quando começou a tragédia?”

“Como, Senhor? Não entendi?”

“Se você disser que o salvamento foi uma obra do acaso, da sorte, você anula a presença dos deuses, pois ou existe deuses ou existe sorte. Os dois não podem coabitar o mesmo espaço em um mesmo tempo!”

“E se eu disser que foi um milagre dos deuses?”

“Um milagre dos deuses para quem? Para os salvos ou para os mortos?”

“Para os salvos, é claro!”

“Se os deuses estavam no mesmo lugar para salvar uns porque não salvaram aos outros, também?”

“Os outros não seriam merecedores de tal benção!” arguiu o pequeno símio.

“Então teríamos deuses seletivos?” questionou o Mestre.

“A nossa tradição oral revela que a recompensa do bem é o bem e a recompensa do mal é o próprio mal!”

“Se você está justificando a morte daqueles que pereceram como consequência de seus próprios atos, não precisaremos nem de Juízo Final. O veredito já está dado e por antecipação ainda, sem o direito à defesa! Para isto bastaria um livrinho de cálculos com a dosimetria relativa aos delitos praticados!

“Então o Mestre está dizendo que não há deuses?” disse o macaquinho com o indicador voltado para o Mestre.

“Não! Eu não disse que não há deuses! A maior loucura do vivente é tentar entender os desígnios dos deuses! Uns provam a existência deles tentando negá-la enquanto outros negam-na ao tentar prová-la!”

Batendo a mão sobre o ombro do macaquinho, o Mestre disse:

“Vamos, Platão! Vamos! Você ainda terá muito tempo para pensar nestas coisas...”

Na camada de pó estendida como tapete no chão da caverna viam-se dois pares de pegadas caminhando na mesma direção. Além da mesma direção, um detalhe os aproximava e muito: as marcas dos cinco dedos de cada pés sulcando o solo.

E lá fora, além da caverna, alguns macacos ainda brincavam, subindo e descendo das árvores!

Jonas De Antino
Enviado por Jonas De Antino em 12/03/2019
Código do texto: T6596053
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