Letras da Arábia - Santo Petróleo, Doce Consumo
Daqueles sonhos e daqueles cartões postais encontrei quase nada. A realidade sempre é diferente. E, dependendo do modo com que se a vê, com aqueles olhos particulares, ela é sempre mais assustadora. A realidade é sempre alucinante quando se consegue penetrar a imponência de sua simplicidade.
Há desertos e areais. Há camelos e beduínos, embora não os tenha ainda visto. Há tempestades de areia e há céus escurecendo e há gente que se perde no deserto. Há as praias, mas as praias são perigosas, há corais, peixes-de-fogo, caranguejos, tubarões... Sim, tubarões, e não muito longe da costa. Dizem que tubarões não atacam dentro dágua, só na superfície. (Eu, heim!)
Há véus negros nos rostos das mulheres. E os mesmos véus são, às vezes, uns vestidos negros da cabeça aos pés. Os rostos e os corpos eternamente escondidos... As mulheres caminhando atrás dos homens na rua, distantes deles. Às mulheres jamais dirigir um carro. Às mulheres nada. A elas as pedras no rosto, em praça pública, no caso de adultério.
Mas já começam a aparecer seus rostos na televisão, o que era rigorosamente proibido. Já vao à faculdade, embora só às exclusivamente femininas. Já vão a institutos de línguas, já veem o mundo externo. Há alguma mudança, algum avanço. Avanço? Sei lá.
Mas também há tanto asfalto! E é vertiginoso o ritmo da construção civil. E as "novidades venenosas" dos ocidentais e dos japoneses? Rádios, toca-fitas, gravadores, tevê a cores, condicionadores de ar, carros, alimentos enlatados, mais viagens ao exterior. Há um violento processo de modernização, processo este que afeta todos os setores.
Em termos sociológicos, modernização não significa desenvolvimento. Neste caso, antes de alcançado o desenvolvimento, quem sofre muito é o indivíduo. Aqueles seus valores feudais estão sendo tomados de assalto por novas modas, novos costumes, outra cultura está em choque com a sua. Do camelo ao Mercedes. Quem vai sofrer é o Illiah, o Rashid, o Said, a Rabab, a Nazdar... Será um choque violentíssimo, sem qualquer transição. Até ajustarem sua escala de valores aos novos padrões económicos e culturais, até isso, vão penar bastante.
Santo Petróleo! Doce Consumo!
(Jeddah, Arábia Saudita, 15/07/75)