As Três Fronteiras - O Iguassu
Escrito com "ç" em português, com um "s" em guarani, com "z" em espanhol e com dois "ss" em inglês, a região trinacional do Iguassu é um território à parte, com características muito especiais. Alguns exagerados dizem até que poderia ser uma república independente, tal a riqueza do solo e do potencial turístico que embasariam solidamente uma economia, dessa maneira, "nacional". Pode ser, pode não ser. A verdade é que seus interesses conflitam, muitas vezes - e concomitantemente - com os interesses de Buenos Aires, Brasília e Assunção, suas capitais nacionais.
O Iguassu com "ss" é um produto de exportação para o mundo e essa grafia, para o guia turístico de que vamos falar a seguir, fica melhor em inglês. A região das Três Fronteiras, como também é chamada, se compõe de 3 cidades em 3 países diferentes: Foz do Iguaçu, Paraná, Brasil, a maior e mais adiantada das três; Ciudad del Este, a segunda cidade do Paraguai, capital do Departamento do Alto Paraná, da qual falamos em crônica passada; e Puerto Iguazu, pequena cidade da Província de Missiones, na Argentina. Ligadas fortemente a essas cidades, partes integrantes desse contexto, podemos citar Minga Guazu, Hernandárias e Presidente Franco, no Paraguai; e Puerto Esperanza, Puerto Libertad e Wanda, na Argentina.
As três cidades principais poderiam ser chamadas de trigêmeas univitelinas, tal a série de pontos em comum que as une. Seus problemas e soluções nem sempre coincidem, às vezes conflitam, muito mais por causa das soluções encontradas para problemas nacionais dos três países, do que por problemas locais, haja vista qualquer alteração cambial, que atinge imediatamente sua economia. Dólar caro no Brasil prejudica Ciudad del Este e os que dependem do comércio da "muvuca" (ver crônica anterior), mas beneficia Foz com a vinda dos argentinos, cuja moeda, o peso, até a data de hoje (06.08.01), está quase parelho com o dólar e lhes dá condição de comprar muito mais nos supermercados da vizinha cidade brasileira.
Na outra ponta, o peso forte pode até ser bom para o resto da Argentina, mas tornou Puerto Iguazu uma cidade fantasma, cuja população caiu pela metade nos últimos anos. Lá, para se ter uma idéia, coca-cola custa dois dólares. Assim, a cidade já não é nem a sombra do que foi em outras épocas, quando tinha florescente comércio de roupas de couro e artigos similares.
Bem ilustrativo da assumida unidade e destino comum das três comunidades da fronteira é o fato de ter sido publicado recentemente o guia Iguassu ("Iguassu, um destino para o mundo"), que busca divulgar as belezas de toda a região, enfocando-a verdadeiramente como um todo integrado, sem se importar com o fato de se tratar de países diferentes.
O próprio mapa dessa publicação já abarca as Três Fronteiras. Como homenagem à língua comum da região, antes da chegada dos portugueses e espanhóis, abaixo da numeração dos capítulos do Guia, escrevem-se os algarismos e seu nome, por extenso, em guarani. Há no Guia, além das já clássicas e inevitáveis menções às Cataratas do Iguaçu e à Hidrelétrica de Itaipu, a indicação de 70 outras atrações turísticas nas três fronteiras, como as reservas ecológicas Itabo e Tati-Yupi, o Orquidário do Índio Solitário, a aldeia guarani M'bororé, os saltos do Rio Monday e o Museu Moisés Bertoni.
Existem outras características muito especiais das Três Fronteiras que confirmam essa unidade, senão cultural, pelo menos econômica. Nos supermercados, por exemplo, você pode escolher em que moeda pagar. Os caixas têm os preços em real, guarani, moeda paraguaia, e peso, moeda argentina, além do dólar, que é também moeda corrente na fronteira. No lado paraguaio, você ouve guarani, espanhol, português, bem como coreano, chinês e árabe, línguas dos imigrantes recentes da região. No lado brasileiro, fala-se ou se entende espanhol nas lojas. O português é entendido e também falado no lado argentino.
Como símbolo de tudo isso, para se visualizar o que é o Iguassu, é melhor ir ao Marco das Três Fronteiras, no encontro do Rio Iguaçu com o Paraná. Desse encontro, aliás, a foz do Rio Iguaçu, nasceu o nome da cidade brasileira de Foz do Iguaçu. Dali pode-se ver o Paraguai e a Argentina.
No jogo de futebol, você troca passes com companheiros argentinos e paraguaios radicados no Brasil. Há muitos casamentos entre nacionais dos três países. Há argentinos com filhos brasileiros, brasileiros aos montes radicados no Paraguai, com mulher e filhos paraguaios, bem como brasileiros e paraguaios na mesma situação em Puerto Iguazu e região. Por causa desses laços, a rivalidade do futebol, que aqui também existe, é bastante suavizada, pois todos entendem na própria carne a necessidade de união. Aqui, em microcosmo, estão reunidos e representados os verdadeiros desejos e destinos desses três países, que se diluem quando pensados em nível nacional.
Realmente, o Iguassu é um território à parte, com características bem especiais. Uma zona de transição. Ou de união. Aqui, talvez, esteja o verdadeiro espírito do Mercosul, onde se evidenciam nossas coincidências, se minimizam nossas diferenças. Daqui, talvez, espero, apesar de todas as pressões externas, há de se revitalizar o espírito do Mercosul, não só como entidade econômica, mas também cultural e política. Aqui, quando se realmente apreende o espírito das Três Fronteiras, você deixa de ser paraguaio, brasileiro ou argentino e se torna um orgulhoso cidadão sul-americano.
(Ciudad del Este, 6 de agosto de 2001)