FALSA HEURECA... E ALGUM SAUDOSISMO - crônica de Ialmar Pio Schneider
FALSA HEURECA... E ALGUM SAUDOSISMO
IALMAR PIO SCHNEIDER
Nos meses de veraneio em que permaneço alguns meses em Capão da Canoa, costumo fazer caminhadas dentro d’água da praia, entre Capão e a plataforma de Atlântida, quando às vezes encontro o meu amigo cronista, historiador e procurador de justiça aposentado, Dr. Sérgio da Costa Franco, que também o faz, e com quem mantenho alguma prosa passageira de intelectual para intelectual. Certa manhã, encontrei-o e resolvi abordá-lo a respeito da situação atual do país. Disse-lhe que somente havia uma maneira de conseguir-se sanar a corrupção, a grande corrupção, fazendo-se uma devassa geral nos notórios enriquecimentos ilícitos. Respondeu-me, então, que isso não era possível, pois todos tinham telhados de vidro e não iriam permitir investigar os outros porquanto poderia cair-lhes o raio em suas próprias cabeças. Lembrei-lhe que muitas pessoas eram honestas e seria viável que o pudessem realizar. Voltou-me ao diálogo, entendendo que essas não detinham o poder. Ao que me recolhi à minha insignificância, a casmurrar, que tinha sido uma falsa heureca.
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A propósito, o Dr. Sérgio em sua crônica, diríamos saudosista, Geografia Sentimental, de 21/08/79, fala de uma Porto Alegre de 30 anos atrás, ou seja, de 1949, quando era uma cidade pacata, mas não muito, porque sendo a Capital do Estado já detinha o maior movimento por aqui registrado. Conserve o mapa daquela época; é uma lembrança que não deve ser posta no lixo, pois nunca mais voltará a ser o que era !
Quando aportei em Canoas, vindo de Soledade, onde havia completado meus 21 anos de idade, cá chegando com 24, esta cidade, onde não havia um edifício com elevador, mas já bem desenvolvida, era considerada satélite da Capital. Hoje, apesar da carência na área da saúde, detém duas universidades e uma de faculdades integradas, é servida pelo metrô de superfície, além dos ônibus e lotações que circulam regularmente, tornando o transporte a Porto Alegre, satisfatório, não obstante a inexistência de uma Estação Rodoviária, o que causa transtornos a quem queira se deslocar para outras cidades, inclusive para as praias no verão. Contudo dispõe de comércio invejável, pois quase todas as lojas que existem na Capital estão também aqui estabelecidas, contando com um shopping center moderno com onze salas de cinema do cinemark, quando já possuía um centro comercial pioneiro no Estado com três salas de cinema hoje ociosas (segundo me consta) e a Biblioteca Pública Municipal João Palma da Silva em pleno funcionamento, apesar do restrito horário de atendimento ao público que poderia ser estendido se houvesse verba para tal e boa vontade dos responsáveis pela cultura do município. Mas esta já é outra crônica... enfim, dos males o menor.
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Voltando à crônica do Dr. Sérgio, onde descreve a Porto Alegre de 1949, com seu “hipódromo nos Moinhos de Vento e o estádio do Grêmio na baixada da Mostardeiro”... os velhos bondes que ainda cheguei a utilizar lá por 1967 a 1971, ainda que eu já estivesse motorizado fazia alguns anos e na época dispusesse de uma simca chambord preta, estofamento vermelho, 3 andorinhas que havia recebido em permuta num jeep willis, ambos do ano de l963, que me servira quando fiscal da Carteira Agrícola do Banco do Brasil em Soledade, onde completara meus vinte e um anos de idade. E agora quero transcrever o fecho de ouro do texto, por assim dizer, saudosista do Dr. Sérgio, como segue: “Se era bom? Claro que sim: eu tinha 21 anos...”
Não tem muito mais o que dizer. Quando se é jovem e saudável tudo é maravilhoso qual o soneto de Raul de Leôni: Adolescência - “Eu era uma alma fácil e macia,/ Claro e sereno espelho matinal / Que a paisagem das cousas refletia,/ Com a lucidez cantante do cristal.// Tendo os instintos por filosofia,/ Era um ser mansamente natural,/ Em cuja meiga ingenuidade havia / Uma alegre intuição universal.// Entretinham-se as ricas tessituras / Das lendas de ouro, cheias de horizontes / E de imaginações maravilhosas.// E eu passava entre as cousas e as criaturas,/ Simples como a água lírica das fontes / E puro como o espírito das rosas...”
Finalizo, no entanto, dizendo que no ano que chegava a Canoas, em 1967, estava terminando minha adolescência, pois completaria meus 25 anos. Entrementes, posso afirmar que já tinha viajado muito nesta vida, não na boa vida, pois trabalhava desde os 8 anos, ajudando minha mãe nas lides caseiras, com mais 5 irmãos pra cuidar e depois no internato dos irmãos maristas em Getúlio Vargas, trabalhando para poder estudar o ginásio, que não havia em minha terra Sertão, e posteriormente em Passo Fundo até o 2º Técnico em Contabilidade e Científico, quando com 18 anos, em concurso público ingressei no Banco do Brasil em Cruz Alta. Já vinha de uma longa caminhada de trabalho, portanto. Mesmo assim tudo era bom para o meu, hoje velho e saudosista coração !
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Cronista e poeta
Publicado em 26 de dezembro de 2001 - no Diário de Canoas.