BERRADAMENTE FELIZ
Queria entender o sentido mais profundo das coisas. Vasculhar fundo em estruturas, métricas, engrenagens, pra entender o que as fazia pulsar, girar, mover, acontecer, vibrar. Queria saber o que faz a água molhar. A luz forte ofuscar os olhos. Alguns gostos azedarem a língua. Certos chãos serem mais fáceis de percorrer. Alguns sons serem apaziguadores e outros levarem à loucura. O desejo que faz acariciar e o que leva à destruir tudo. Que coisa essa chamada de paixão que revira tudo do avesso, do nada. Qual impulso leva alguém a vencer e outros a serem eternos derrotados. Ele queria desvendar o que faz o belo tão distante do horrendo. Aquelas geleiras monumentais e aquele calor infernal que deixa o asfalto virar geleia. Queria escancarar a porta que dá entrada ao perdão, à humanidade, ao doar sem querer nada em troca. Era um cara sem noção tocando o barco, a trancos e barrancos, desconhecendo certos protocolos triviais que, a rigor, todo mundo já nasce sabendo. Foi ficando velho e, ao invés de virar sábio, emburreceu. A coluna se curvando, os ossos desmilinguindo, as certezas, poucas, fugindo pelo ralo. Era um velho entorpecido pelas dúvidas que nunca descansaram, queria saber os porquês de tudo e, como resposta, só recebia um despojado vazio. E foi levando assim seus dias até o último. Então Deus, que pouco lhe dava bola, se aproximou e trouxe, em fração de segundos, todas respostas, uma atrás da outra. Sabia agora de tudo, mas isso de nada mais lhe serviria, porque sua vida está partindo, de vez. Morreu com sorriso cravejado nos lábios, satisfeito, berradamente feliz.