O Sapeca do Vô Pico
Resolvi passar minhas férias no interior leste de Minas Gerais, Zona da Mata, município de Carangola. Desta vez, nós, Vô Pico e Vó Lice, resolvemos levar a tiracolo o pequeno Asaph, nosso neto de apenas dois anos de idade que deixa todos perplexo tal a sua hiperatividade e sagacidade, porém não consegue falar corretamente. Sua linguagem é uma mistura de idiomas, pois o seu tablet lhe fornece animados desenhos internacionais que ele mesmo administra com seus dedinhos nervosos a riscar a tela como se fosse um blogueiro calejado.
É difícil acreditar que haja uma espécie tão pequenina a fazer peripécias vinte e quatro horas, entretanto tivemos a ideia de levá-lo a um passeio na roça localizada no Córrego da Mata. O muleque quando desceu do automóvel que nos conduzia saiu despinguelado atrás do lagarto que se escondeu atrás do pé de eucalipto. As vacas quando o viram o cumprimentaram com uma sinfonia de mugidos e o danadinho repetia o som a englobá-lo em seu pobre vocabulário e toda vez que se tentava adverti-lo, ele mugia a nos enfrentar:
-Mummmmm
Imitava os pássaros canoros e ficou encantado com o canto das cigarras e já recebeu de sua Vó a primeira crendice popular:
- Meu filho, a cigarra quando canta está chamando o sol.
O garoto deve ter ficado confuso, pois fazia tanto calor, o sol estava tão quente atravessando as frestas dos galhos das árvores que a culpa estava a ser atrelada ao macho que descaradamente somente tentava atrair a fêmea para o acasamento.
Asaph se divertia e no único segundo de nossa distração desapareceu e nos levou a loucura a procurá-lo e quando o localizamos, o pimentinha estava distribuindo miolos do seu pedaço de pão as galinhas sob o olhar do galo índio que se ofuscou a observar a coragem daquele filhote humano que invadiu seu território entoando o som emitido pelo touro da fazenda.
Estava na hora de voltar para a casa da cidade e o táxi estava a nos esperar quando o chamamos para entrar no veículo, o pivete se jogou em meu colo e o meu olfato alcaguetou o seu ponto fraco a iniciar o rotineiro tormento:
- Asaph, você fez cocô na calça?
- Não fez.
Respondia com toda a convicção.
E os insistentes questionamentos o deixava irritado. Desta vez, o menininho estava dizendo a verdade e talvez tenha se libertado do pesadelo que o oprimia, pois mostrava a sua sandália borrada de titica de galinha devido a sua divertida aventura contemplada pela natureza, um verdadeiro privilégio.
Segundo Freud, "A história do homem é a história da sua repressão."