Mortes passageiras
Algumas mortes são doces. Têm no seu gargalo tantas pétalas aguçadas,
moleques, que dão pena. Algumas mortes nos untam com o jorrar do esquecimento, conduzindo à morgue do saber, do entendimento, do sim. Algumas mortes penteiam nossos instintos, sacolejando os penduricalhos que insistimos em ser e manter vivos. Algumas mortes acobertam verdades e sinas, como fiéis escudeiras da razão. Algumas mortes nos dedilham canções de ninar, numa apoteose de peito escancarado e feliz. Algumas mortes enterram raspas de paixão, de um querer-bem escancarado, liberto, saudoso. Algumas mortes enfeitam a alma com brilhos de Deus, emprestando do suor suas amarras mais berrantes. Algumas mortes são ocas, secas, áridas no tocar, no fecundar, no arrematar. Elas se dissipam alucinadas dos trios-elétricos da fé, deixando no seu rastro infinitos tecos de ventos mal ajambrados e toscos. Algumas mortes são cicatrizadoras, jogando no ralo seus pródigos gozos, frágeis gozos, diria. Algumas mortes se respingam de medos farreados, ferrolhos enferrujados dessa vida que se foi pra sempre. Algumas mortes arrebatam choros sem freio, como ecos estonteantes de uma fuligem que se diz viva, que se diz estou aqui. Algumas mortes são eternas, outras passageiras. Algumas mortes têm dono, outras são vagabundas mambembes que nunca terão alforria, nem pouso certo. Algumas mortes fogem da gente com veemente álibi, estancando aos nossos pés o que temos de mais aguado, de mais sórdido, de mais nosso. Algumas mortes nos levam à forra, atirando pro alto seus timbres felinos de redenção. Algumas mortes são de beleza aflita, trazendo pra gente o que sempre desejamos, mas sempre nos escondemos pra perceber.