A CASA DAS SETE MULHERES E OS VARÕES ASSINALADOS - crônica de Ialmar Pio Schneider - Por ter assistindo à minissérie A Casa das Sete Mulheres, na televisão, e após lido o livro da jovem autora Letícia Wierzchowski, o que fiz oportunamente, ocorreu-me
A CASA DAS SETE MULHERES E OS VARÕES ASSINALADOS
IALMAR PIO SCHNEIDER
Por ter assistindo à minissérie A Casa das Sete Mulheres, na televisão, e após lido o livro da jovem autora Letícia Wierzchowski, o que fiz oportunamente, ocorreu-me reler os Varões Assinalados - O Romance da Guerra dos Farrapos - L&PM Editores Ltda. - Porto Alegre - RS, edição de 1985, de Tabajara Ruas, um dos mais prestigiado escritor gaúcho da atualidade, onde encontrei passagens pertinentes ao assunto tais como: “Garibaldi chegou à casa das sete mulheres um dia antes da primavera e na hora exata do crepúsculo, com a carta de apresentação do General Bento Gonçalves, lida por Dona Ana junto ao lume imóvel de um candeeiro. Depois de ler em meditativo sussurro - ante o silêncio atento das outras - a recomendação do General para receberem o estrangeiro com fidalguia por tratar-se de um bravo defensor da causa, Dona Ana examinou-o com frios olhos autoritários por cima do aro de ouro dos óculos. No jantar dessa noite foi servido vinho. Depois dos demorados meses do inverno um homem ocupou a cabeceira da mesa. Era o homem mais belo que elas jamais tinham visto e todas o temeram, embora de maneira diferente. Ele narrou as novidades da guerra, os feitos heróicos dos republicanos, os malvados que eram os imperiais e, já na sobremesa (as velas pingando grossas lágrimas de cera) falou ao silêncio maravilhado das sete mulheres da saudade que sentia da bela Itália, da bondade do Sumo Pontífice, dos canais de Veneza, dos segredos de Verona e da capela barroca onde Romeu Montecchio e Julieta Capuleto juraram amor eterno”. - (pg. 241). Mais adiante, encontra-se a seguinte passagem: “Na viagem de volta a Piratini, Garibaldi tornou à casa das sete mulheres. Foi recebido com cerimônia mas com mais descontração. Talvez, nessa noite, tenha bebido um cálice de vinho além do prudente porque cantou canções do mar de Nizza e recordou, estremecendo, que não apertava uma mulher branca em seus braços há demasiado tempo; os olhos azuis como os dos arcanjos do oratório incendiaram-se de paixão quando sua mão queimada de sol roçou sobre o linho branco da toalha a suave mão pálida de Manuela. Manuela tinha quinze anos. Manuela enrubesceu. E Manuela foi tomada de amor. Os olhos doces, do negror do veludo, turvaram-se. Manuela deixou a mesa num passo já adulto, já sem a pressa da adolescência, com a vida já mudada e já com a intuição da espera, da impossibilidade, da violência. Ficou no quarto a ouvir a voz do estrangeiro narrar sua estada na corte de Hussein, o Cruel, bei de Tunes e de travessias de desertos em lombos de dromedários e de Mazzini, um homem admirável que lutava pela libertação de todos os outros homens. E ouviu o silêncio das irmãs e das tias. (E das grossas lágrimas de cera das velas.)” - (pg. 243).
Foi aí, com certeza, que nasceu o grande amor de Manoela (sobrinha de Bento Gonçalves e prometida a seu filho Joaquim, como esposa), como assim narra Tabajara Ruas: “Manuela desmaiou. Nos dias que se seguiram sua saúde definhou a ponto de inquietar a mãe e as tias. Pensaram que talvez fosse a umidade da região nessa época do ano, mas Dona Ana sabia que a pequena Manuela, frágil e calada, tornara-se mulher. O italiano gentil e falador, de cabelos leoninos e olhos azuis, que cantava canções desse país distante e místico, era a causa. Suspirou aliviada quando soube que Bento Gonçalves vinha passar uns dias na fazenda, para dirigir os trabalhos do aparte de gado e tratar da venda de uma ponta para portugueses da capital. Bento Gonçalves ouviu calado as novidades. - Ela está disposta a casar com o italiano - confirmou Dona Ana. - E ele? - Está entusiasmado. Passam horas conversando na varanda. Bento Gonçalves ficou olhando a planura. - Vou falar com ele. Bento Gonçalves compreendia a situação: Garibaldi era um homem jovem, ao redor de trinta anos, longe de casa e da família. Era natural enamorar-se de uma jovem como Manuela. Além do mais, ela correspondia aos seus sentimentos. Mas, eram descendentes dos Meirelles, fundadores do Continente. Gente de tradição. E ele - para o bem ou para o mal - era o mais alto mandatário de Província. Era - querendo ou não - o Presidente de uma República. E Garibaldi, um aventureiro sem eira nem beira. Um vagabundo dos mares e dos portos. Um corsário. Era valente e tinha lá seus ideais, mas no fundo era um extremista, um homem perigoso, que a lo largo lhe causaria problemas, como Rossetti já estava causando com seus artigos inflamados no jornal. Fez longos passeios a cavalo com Garibaldi. Num deles, com polidez, pediu-lhe que deixasse de fazer a corte a Manuela. O corsário ergueu os dois olhos azuis com energia. - Posso perguntar porque, senhor Presidente ? - Não é segredo nenhum, amigo Garibaldi. Eu le garanto que o senhor tem a minha maior simpatia. Mas Manuela já está muito prometida para meu filho Joaquim e a família espera com ansiedade essa união. Esperamos que o senhor, como homem de honra e de princípios, sabendo que Joaquim, por seus deveres de soldado, não pode estar junto à sua noiva, saberá afastar-se. Garibaldi assentiu com a cabeça, sombriamente. Bento Gonçalves colocou a mão no seu ombro. - Ademais, meu amigo, tenho plano para vosmecê. Brevemente vou tirá-lo deste fim de mundo.” (pg. 248).
Desta forma foi resolvido o romance que li no opúsculo Garibaldi & Manoela: uma história de amor (Amor de Perdição), L&PM Pocket, de Josué Guimarães, no meu entender o segundo maior escritor gaúcho, vindo logo após Érico Veríssimo. Mas Garibaldi encontraria seu verdadeiro e real amor em Ana Maria de Jesus Ribeiro, a Anita, apesar de ela estar casada há um pouco mais de um ano com o sapateiro Manuel Duarte. E ambos são considerados o herói e a heroína de Dois Mundos.
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Poeta e cronista eventual
http://www.diariodecanoas.com.br/site/interativo/minhas_cronicas,canal-5,ed-90,ct-452.htm
EM 20.11.09
Publicado em 19 de março de 2003 - no Diário de Canoas.
http://ial123.blog.terra.com.br/
em 24.07.2010