Sobre Chuvas de Verão

[Sobre Chuvas de Verão]

O céu escureceu, vieram os trovões, depois o vento, e antes que as roupas dos varais pudessem ser recolhidas a chuva caiu. Grossa, intensa, quase que enfurecida, caiu no final da tarde de verão. E quando todo o mundo já ia cinza e empapado, a chuva amainou; parecia ter trocado a fúria por uma tristeza resignada e racional, do tipo que poderia fazer chover por dias e dias.

Eu fazia uma caminhada quando a chuva veio. Por isso, voltava para casa tão empapado quanto o resto do mundo. E foi enquanto eu lamentava as minhas roupas no varal que uma bicicleta passou por mim.

Bicicleta velha, de barra circular, num azul descascado. E não qualquer azul, mas aquele azul-saudade dos Fuscas dos anos 80.

Em cima da bicicleta, um velho a pedalava. Com lentidão, bem devagar, ele pedalava; de cada pedalada vinha um rangido doloroso, e dava até para confundir se era da bicicleta ou do velho, tamanha a gastura de ambos.

Mas o que chamou a atenção mesmo foi a garupa.

Sentada de lado, as duas pernas para esquerda, vinha uma menina. Tinha os cabelos curtos, soltos e um tanto desgrenhados. No mais, era pequena, franzina, encurvada, séria. Tão séria que mal parecia uma criança de, se muito, 10 anos.

Nos olhos escuros trazia uma gravidade grave demais para qualquer infância: vidrados, eles sacolejavam sem se fixar em nada, rendidos às trepidações do asfalto irregular.

Súbito, porém, uma fantástica descoberta. Os olhos da menina piscaram, despertaram e repararam que o pneu, rodando sobre a rua, jogava para cima inúmeros pingos de água. Parecia até que a chuva, cansada de cair para baixo, ali havia resolvido, com muita ousadia, cair para cima.

Num meio sorriso feito de comedimento e insegurança, a menina estendeu a mão até os pingos. Quando todos eles começaram a se espatifar contra a palma da sua mão, aquele teto inesperado para uma chuva ao contrário, a menina soltou um sorriso sem amarras, um sorriso cheio, sorriso com um toque de inédito; sorriso do tipo que faz as bochechas estalarem.

Em algum lugar, um outro sorriso (na verdade, muitos outros sorrisos) lhe responderam sorrindo também pois, quem é que não sabe?, era impossível não responder assim.

Quando perdi a bicicleta de vista, a criança ainda se ria brincando de descobrir a infância. Então o céu lembrou que era verão, fez cessar a chuva, e um raio de sol, bem teimoso, se enfiou pelo cinza embatumado das nuvens.