A chegada do verão.
Cleide caminhava pela velha calçada. Ao atravessar a rua que separava a calçada e adentraria no jardim municipal, sentiu-se algo estranho. Alguma coisa mexia no consciente e a preparava para qualquer coisa que lhe viesse no caminho.
A brisa soprava suavemente e ela pode sentir levemente o vento no rosto. O sol estava muito quente, pois era a transição da estação de primavera para o verão, ou seja, era a proximidade do interstício. Poderia ser o momento exato ou quem sabe o minuto faltoso para aquele momento tão esperado. Pequenas gotas de suor escorriam de seu rosto e se misturavam à maquiagem fina, feita há poucos instantes. O reflexo solar criava uma linda imagem entre a testa e os olhos. Um matemático poderia traçar uma figura geométrica diferente das conhecidas.
A frequência cardíaca era ligeiramente alterada a cada passo quando se adentrava no velho e florido jardim municipal da cidade. Os bancos estavam expostos à luz solar e poucas sombras podiam-se ser vistas. Era mais ou menos meio dia e pela posição do sol, as sombras estavam mais concentradas a noventa graus dos troncos das árvores.
Uma lépida parada brusca sobre o pequeno passeio que se dividia a um canteiro de gramas verdes, tendo no centro um tufo de rosas vermelhas e amarelas, uma pequena estradinha partindo das flores, em linha reta, passando sobre a grama e indo finalizar a poucos metros daquele local, várias formigas levavam pedaços de folhas, pedaços de caules e até mesmo um pedacinho de pão que alguém ali perto comeu.
Cleide não se conteve e logo se viu parada e ofuscada pela beleza da natureza naquele momento. O suor corria mais forte no delicado rostinho, um rostinho de menina que se despertava para vida. Entre sonhos, entre perspectiva de amores, de namoro, de sentir que ainda não poderia ficar criança para sempre. O coração batia mais forte, tornando a respiração um pouco difícil. Não se conteve e abaixou um pequeno instante. Consigo mesma, ela pensava como a natureza era linda. Porque aquelas pequenas formigas, que não tinham filhos, não tinham maridos, não tinham dinheiro, não tinham sonhos e ali estavam alegremente concentradas no trabalho. Para ela, naquele momento, o tempo ficou estagnado de uma forma completamente diferente daquilo que ela pensava. Era o seu dia de sorte, de ver um bocado de algo que ela ainda não tinha percebido. Sorrindo, com aquele riso de princesa, abaixou-se e fixando os olhos naquela corrida labutaria das formigas, pensou calmamente de que maneira é viver. Uma pequena pergunta soava em seu pensamento: Porque o ser humano corre, porque o ser humano é tão preso às coisas mundanas e deixa de observar uma fração da natureza. Sorrindo, com algumas gotas de suor escorrendo naquele rostinho angelical, respirou e disse em voz baixinha:
- Parabéns, minhas amigas. Vocês estão fazendo a coisa certa. Cortam as folhas, carregam para a toca e partilham entre si. Porém, vem o ser, que se auto denomina humano, coloca veneno dentro de suas tocas e as matam. Comentam uns aos outros que faz parte da natureza. Que falta de observação. Vocês fazem parte da natureza e são filhas de Deus.
Erguendo os olhos para o alto, na ponta do galho da pequena árvore, a qual fazia uma pequena sombra, Cleide viu um pássaro, todo amarelinho, acompanhado de sua companheira, também toda amarelinha. Os dois cantavam uma linda canção. Deveriam comunicar com as lindas e afinadas notas musicais. Estavam felizes. Deveriam ter feito amor no dia. Era uma pequena família que se iniciava ou já havia iniciado. O canto deles era tão lindo e poderia ser acompanhado por uma sinfonia de pessoas. Seria, talvez, o canto da paz, uma paz interna para nenhum ser humano questionar.
Já o sol queimando parte de sua pele e o rostinho angelical perdendo parte da maquiagem pelo aumento das gotas de suor, Cleide vagarosamente se levanta. Para alcançar a força necessária para estar de pé, apoiou uma de suas mãos sobre o chão. A força inercial foi tanta, que a palma da mão ficou amassadinha e com sinais de algumas pedrinhas que se encontravam na calçada. Levantou-se e pensou como o corpo humano é ainda frágil perante à natureza. Cleide não era gordinha. Tinha um corpinho esbelto e mesmo assim a mão ficou cheia de marcas demonstrando a incapacidade do ser homem perante a natureza. Ao se levantar, após ter olhado para a mão que se refazia rapidamente, assustou-se porque o casal de canários levemente voou e não permaneceu ali. Sorriu rapidamente e exclamou:
- Eles foram amar loucamente.
Reerguendo rapidamente e dando quatro passos, ela distraiu a atenção com um voejo de uma linda borboleta sobrevoando as rosas, meio castigadas pela chuva da noite anterior, mas ainda viçosas e esperançosas para serem admiradas. Mais uma vez exclamou, mas gritou em voz alta para que todos que ali estivessem a escutá-la fortemente:
- A natureza é linda e feliz são seus seguidores. Vejam como a linda e amável borboleta, de cor azul, de tamanho grande, faz um rasante sobre as flores, estas lindas rosas, e prossegue a jornada. Não tirou nada delas, nem mesmo uma gotinha de pólen das flores...
Com o rosto bastante vermelho pelo sol, as marcas do suor escorrendo pelo rosto indo terminar na cavidade dos seios, Cleide respirou fundo. Olhou para cima, viu a fortaleza do sol, viu nuvens se formando como água jorrando de uma mina. Alguns andorinhões sobrevoando em círculo e escutou, também, cantos de outros pássaros. Uma forte sombra cobria a todos que ali estavam. As formigas já se retiravam para a toca. Alguns pássaros cantavam e sobrevoavam para outros locais. O vento começava a soprar forte. A paz foi interrompida com a queda de algumas gotas de água. Era a forte chuva que ameaçava tudo que ali estava.
De braços abertos, na ponta dos pés, como se estivesse preparando para executar a dança do famoso balé, Cleide pôs-se a girar em seu próprio eixo. As gotas de água foram caindo e imediatamente encharcou as roupas. Os cabelos molhados criavam ondas sensuais e mais ainda corriam sobre os pequenos seios ainda em formação. O vento soprava um pouco forte e cantando uma canção tão linda, Cleide dançava ao som da chuva forte. Assim, iniciava a chegada do verão.