Travei a coluna no centro da cidade, em plena rua Buenos Aires apinhada de gente andando pra lá e pra cá. Já travei algumas vezes, é uma dor aguda e fortíssima, mal consigo respirar, no entanto, minha maior dificuldade é conter o pânico.
Uma enxurrada de  pensamentos catastróficos tenta me arrastar, ao mesmo tempo preciso encontrar ajuda e alguma solução. Isso tudo acontece em segundos; posso cair, quero pedir ajuda, fazer uma ligação, engolir um medicamento; e precisa ser rápido.

Havia uma loja de decoração, mas as poltronas e cadeiras tinham placas avisando que era proibido sentar, do outro lado da calçada vi uma lanchonete mas o meio fio era alto demais, recuei e me encostei na parede. Fiquei uns segundos apoiada no muro, sentindo o corpo e a dor fortíssima; pelo aplicativo do celular chamei um táxi, depois outro e na terceira promessa desisti de esperar,  sinalizei para um amarelinho.
O  banco daquele carro foi a melhor coisa do mundo, fiquei toda viagem quietinha tentando me acalmar, o ar bem gelado era um conforto. Vinte minutos depois cheguei em casa e comecei realmente a cuidar de mim; três horas deitada relaxando a musculatura, algumas mensagens para terapeutas e o pedido para avaliar a necessidade de ir para o hospital. Com carinho e paciência  porque tenho tudo em casa: foi esforço excessivo, ansiedade, preocupação e três tentativas de renovar a carteira de habilitação no centro do Rio de Janeiro quente, abafado e em clima de final de ano.

Concordo que os pensamentos são meu maior adversário, apesar de saber disso ainda reajo  ao mau humor das atendentes, ao descaso de uma burocracia ultrapassada, aos impacientes com a minha morosidade.
Realmente existe a intenção de oferecer um serviço aos deficientes, mas se tratando de uma pessoa com limitações, ele deveria ficar pronto na mesma hora.
Afinal, quantos deficientes renovam a habilitação e a identidade no mesmo dia? Em três dias não encontrei nenhum, mesmo assim vou ter que esperar vinte dias para minha carteira ficar pronta. Isso precisa mudar, eu quero ter autonomia para pegar meu carro e me socorrer. Eu quero ser independente outra vez. Eu preciso, isso me fortalece.

Qual a necessidade de uma certidão de nascimento original, para uma pessoa que já existe no sistema e está renovando a identificação?
Por que  as impressões digitais foram tiradas três vezes? Alguém pensou que cada dedinho que foi comprimido, tortinho de artrite, dói pra caramba? Como apertar os dedos de uma pessoa com AR? Será que não existe um aparelho mais sensível, que seja bom para os dedos deficiente?  Será que somos invisíveis?

 
Giselle Sato
Enviado por Giselle Sato em 29/12/2018
Reeditado em 01/01/2019
Código do texto: T6538249
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