Circo Triste

Hoje, confesso, estou meio triste, sou um homem sincero, o que estou assistindo no país é algo muito parecido com um circo triste, muito triste... Respeito quem pensa o contrário, não vou pichar e nem criticar. Graças a Deus sei preservar amizades e respeitar os outros, mas não abro mão de dizer o que penso. Estava tentando rascunhar uma maltraçada falando de um circo triste, mas aí, olha o aí, meu neto precisou da certidão de nascimento para apresentar na faculdade, um treco desses. Fui procurar na pasta dos documentos, achei, mas no meio dos documentos havia um recorte de uma crônica escrita pelo Professor Potiguar Matos (pesqueirense que me apelidou de Dartagnan), datada de 24.07.78, que diz o que eu queria dizer mas sem ter o talento do saudoso professor. Vou transcrever a crônica:

Hoje tem Espetáculo

Potiguar Matos

"O pregão do palhaço, enorme em suas pernas de pau, escorre na tarde ensolarada. Há um frêmito na multidão infantil. Lindo é o circo, o colorido das lonas, na pirueta da bailarina, no pulo acrobático do macaco. Vale não esquecer as feras: um velho leão, semidesdentado, sonhando com as florestas nativads, o elefante humilhado, erguendo-se trágico nas patas traseiras, a sepente oleosa e visguenta, enrodilhada para o boye inútil.

"O homem recorda. Estalam os metais da orquestra, o equilibrista passeia sua fragilidade na corda, uma onda de angústia acompanha o vôo do trapezista, rápido como um bólido, solto no espaço, feito pássaro maluco. Vendem-se pipocas, há "churros" estranhos, doido arruído sacode a platéia, gritos, assobios, vozes alacres, juvenis, clowns cambalhotando na arena, um chicote anavalha o ar e o cavalo branco, selim vermelho, dança feito um Nureiev bronco. Os olhos da pequena jóquei, as pernas, o cabelo. o fundo do tempo, os olhos se acendem na noite de lâmpadas, estridências, palhaços pulando, gritos, sussurros, o menino calado, o brilho nos olhos para sempre estrela e sonho.

"O homem se pergunta por que o circo? Donde veio ele, tão repentinamente? Em que céus, em que mundos se escondia? Entre as rodas do automóvel, o equilibrista passeia. Na lâmina do rio cores perdidas renascem, galhardetes e bandeirolas, uma rosa vermelha desfolhada. Na multidão, o homem dança. Saltimbancos arcoirizados, trapezistas da dor soltos no espaço, buzinas rugem em carros desdentados, cobras no asfalto, acrobacias loucas deanões pendurados no nada. Tem espetáculo. O circo imenso e alvar. O pregão do palhaço, as prnas de pau minguam e somem, o palhaço é pequenininho, chora, grosssas lágrimas pingam nas bandeirolas multicoloridas, nos cabelos da bailarina, na grça equestre da jóquei, loura imemorial, perdida no galope, os olhos longos e maduros, a tarde pulando do trapézio nas águas do rio.

"O homem sabe que o circo é eterno. Verdes temos retornam ao seu coração. Segura a barra do trapézio, sente o impulso, o frio do ar, o espaço ferido, o pulo no vazio".

P.S. Qualuer semelhança entre as épocas (ontem e hoje) não é mera coincidência. Inté.

Dartagnan Ferraz
Enviado por Dartagnan Ferraz em 20/11/2018
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