PLATÃO OU MESTRE SPLINTER?
Pode até ser exagero esse apelido, mas foi assim que eu resolvi chamá-lo. Esse homem pode não ter feito nada de tão extraordinário para humanidade como o primeiro, seus escritos.
Porém, as mensagens que o Platão da Comunidade me deixou podem ser comparadas, em maior ou menor grau, como os feitos homéricos de Platão.
Vamos aos fatos. Eu estava passando de carro, a caminho do trabalho, e ao virar numa esquina numa avenida que serpenteava uma comunidade, esse senhor, já no meio de uma faixa de pedestre que não existia, sinaliza com guarda-chuva para que eu passe com meu carro. Aquela atitude tão singela e abrupta me socou os olhos. Tão grande educação num bairro cinza e pobre de minha cidade.
Parei o veículo um pouco à frente e, rapidamente, de marcha ré, voltei buzinando, achando que aquele senhor pudesse me ouvir. E ele me escutou. Ele estava atento.
Então procurei saber a história daquele senhor, que não deveria ser uma história como as de hoje; ele deveria ter muito a narrar; muitos feitos nobres; esse era meu imaginário repentino, de possibilidades.
Fui até ele, ansioso.
Ele parou talvez um tanto assustado com minha atitude. Talvez tivesse esperando alguma pergunta sobre ruas do bairro ou coisa parecida.
Ele estava com um carrinho de feira cheio de frutas, verduras e legumes bem dispostos. É óbvio que come bastante fruta para estar vitaminado daquele jeito. Tão atento, tão esperto, tão educado! Para o que tinha para fazer. O dia seria longo. Precisava de muitas vitaminas. Tudo isso aquele senhor não falou para mim, mas eu fui lendo em sua figura. Sempre fui bom leitor de pessoas e fatos, ao menos imagino que sim.
Mas o que vinha à frente eu não poderia sequer imaginar em minha mente tão limitada a essas narrativas heroicas ocultas na vida humana corrida.
Então falei com ele enquanto ele caminhava. Meu carro parado lá à frente e eu desesperado. Será que vão colidir com ele? Vou tomar uma bela de uma multa? Nessas horas os agentes de trânsito sempre apreciam.
Bem, eu afastei esses pensamentos, rapidamente. Há coisas que a gente tem de colocar em prioridade. Então muito mais importante escutar aquele senhor.
Prossegui caminhando, enquanto ligava o alarme do carro (sem conferir se havia acionado mesmo) aquele senhor me contando como e por que ele havia sido tão educado comigo, me cedendo passagem.
Ele disse que essa educação a gente propaga para as pessoas e eu, consternado:
-Como assim senhor?
Ele dizia:
-Eu sei como é a cabeça de um jovem. A cabeça de um jovem é assim mesmo. Ele está acelerado. Ele quer cumprir as suas funções. Ele quer chegar a seus lugares. Essa é a educação. (Seria a percepção do outro?, pensei enquanto ele narrava).
-Mas eu como um velho tenho apenas de mostrar que o caminho dele será longo. E ele precisará parar um pouco nesse momento. (Ele estaria se referindo a mim? Não, não. Que pretensão a sua, Alexsander!)
Ouvindo aquele senhor eu falei que ali, em sua companhia, teria muito de aprender. Num repente, imaginei a figura do mestre Splinter da Tartaruga Ninja e sorri. Sorri da situação mesmo. Era assim, as Tartarugas nunca tinham tempo de ouvir o mestre Splinter, porque sempre estavam agitadas, tinham missões a cumprir. Mas essa explicação toda só formulei muito tempo depois. Naquele momento, de alguma forma, só pensava que precisaria de mais tempo com aquele senhor, ouvindo-o.
Continue caminhando e ainda bem que ele morava um pouco longe. Continuei escutando-o.
-Então, meu jovem. Eu ensino jovens aqui dessa área.
-Como assim? Digo, como ensina? Onde?
-Ah, eu ensino matérias que essas crianças do bairro acabam não aprendendo porque ficam agitadas no ambiente escolar. Sabe, meu amigo, aprendi que essa escola de hoje produz muita agitação nessa juventude. Mas não é culpa só dos professores, não. É culpa da sociedade toda. Mídias, celulares, TV. Então, sabe, resolvi fazer algo diferente do que escutava dessa mesma TV, dessa mesma sociedade. A fala era sempre a mesma: os jovens de hoje são os últimos lugares na matemática, no Português, nas ciências, etc etc. Então eu resolvi fazer a diferença!
Ele dizia aquilo tudo orgulhoso. Seus olhos cintilavam e ele gesticulava.
-Meu filhos me ajudam.
-Ah, é? Tem quantos?
-Tenho três. Cada um ajuda em uma matéria. Sabe, meu jovem, consegui formá-los, graças a Deus. Cada um em uma matéria. E como eles trabalham de segunda a sexta-feiras, aos sábados cada um deles vem em um sábado aqui em casa, em minha varanda, um lindo corredor fresquinho, fresquinho, cheio de plantinhas, de flores, de passarinhos, beija-flores. Ali. Sim, em minha casa. Onde os jovens podem aprender. Ficando calmos!
-Que legal!
-Sim, meu jovem. Ali eles conseguem aprender com meu filho mais velho Latim.
-Uau!
-Com minha filho do meio, Italiano!
-Que incrível!
-E com minha filha mais nova, inglês!
-Meu Des. Isso é maravilhoso. Saem completos!
-Sim, meu jovem. E eu ainda os ensino o velho e bom português. Literatura clássica! Lemos juntos livros de Eça de Queiroz, Camões, Fernando Pessoa e os modernos! Uma maravilha!
-Meu Deus, meu senhor! Estou emocionado. Tenho um grupo também, um instituto, mas não assim. Não com essa dimensão toda. Não imaginava que eles queria tanto estudo assim. Pessoas, sabe...
-Desse bairro pobre. Era isso que iria dizer?
-É, desculpe-me.
-Não tem que pedir desculpas. Todos pensam isso. Eu também pensava isso no início. Mas sabe, depois descobri que todos querem aprender realmente. Coisas nobres, de verdade, com beleza e o bem. É isso que Platão dizia ser necessária à boa educação. E percebi que quando se tem um espaço aberto como minha casa e uma propaganda maior que eles mesmos fazem tudo isso é propagado e torna-se possível de verdade!
Então chegamos. Estávamos em frente sua casa.
Defronte ao portão daquele senhor, sabia que minha jornada com ele tinha chegado ao fim. Teria meu caminho para seguir, com aquele exemplo em mente.
-Adeus. Obrigado pela companhia, meu jovem. Quando tiver um tempinho apareça por aqui para tomarmos um cafezinho!
-Obrigado.
Despedi-me com um aceno.
Parabéns, senhor que sequer tive a coragem de perguntar o nome de tão apressado e preocupado que ainda estava com meu carro, meu horário para chegar ao serviço.
O fato é que chegando próxima a meu serviço, ao fazer uma mesma curva, deparei-me com um jovem, na chuva, vindo pela ciclovia.
Reduzi a velocidade e acenei para que ele passasse, seguisse seu rumo pela ciclovia e passasse ao outro lado.
Lembrei-me do senhor, do Platão da comunidade. Do mestre Splinter.