crônicas policiais VI - vida loka, vida breve

a guarnição da Polícia Militar apresenta o cidadão, sujo e maltrapilho, com uma mochila ao redor da qual esvoaça um enxame de moscas. consultaram o Banco Nacional de Mandados de Prisão e consta um mandado pendente em desfavor do andarilho, condenado a três anos por roubo perpetrado na cidade de Divinópolis-MG.

o cara tem cara de maluco, aqueles olhos permanentemente arregalados com movimentos esgazeados e fala pelos cotovelos.

acautelamo-lo educadamente na cela, após a revista de praxe com a remoção de cinto, cadarço, objetos de metal e tudo o mais que possa ser utilizado para autolesão e/ou tentativa de transformar o xadrez em túmulo.

eu e o colega de plantão voltamos aos nossos afazeres, chamando os próximos da fila que aguardam atendimento e desejam ardentemente que a polícia os ajude a resolver seus problemas, ainda que nem sempre a polícia tenha poderes para ajudá-los a resolver seus problemas.

a fila anda e chegam guardas municipais com outro cidadão algemado, preso em flagrante por furto do celular de uma transeunte. levamos o ladrão, que se desfaz em lágrimas, para o xadrez. durante o check-in, ele diz que faz tratamento psiquiátrico e toma trocentos medicamentos controlados, haldol, diazepan, gardenal, etc. a cadeia está cheia e temos de colocá-lo junto com o doido. quem sabe os dois malucos não tenham assuntos em comum a tratar?

o colega abre a cela e o primeiro maluco come o segundo no esporro:

"que porra é essa? tu é maluco, mermão? é mão pra trás e cabeça baixa! é sim senhor, não senhor! cadê a disciplina, caralho? agora é regime militar! vem pra cá que vou te ensinar! começa pagando vinte! vou te ajudar, vamolá."

fecho a porta na décima flexão dos dois e penso: é, não fosse criminoso, esse maluco poderia ajudar a mudar isso tudo que taí.