Louredo

Naquele tempo não havia em Monsanto qualquer estrada, a não ser as deixadas pelos romanos, de lajes negras e lisinhas de tão gastas, que permaneciam pregadas no chão desde há centos e centos de anos.

O Louredo era uma casa isolada no sopé do “monte-Santo” .

Ao redor, apenas as dependências devidas a uma casa de lavoura: palheiros, cabanal, casa do forno, e bancadas de cantaria monolíticas, imensas, ao livre.

Terreiro, sobreiras esparsas e vários muros de pedra solta.

A casa de grossas paredes negras, tinha dois pisos e balcão alto, sem amparo.

No andar térreo, as lojas, onde se guardavam os potes de barro com os mantimentos: azeite, azeitona, enchidos, salgadeiras, tábuas de queijos, arcas com os cereais de moinho. Os frutos secos ao sol sobre esteiras no Outono.

No piso superior, a cozinha de chaminé, o largo lar, fumeiro estendido por cima durante o Inverno, a sala e os pequenos quartos de tradição, com cortinas.

A rodear o rectângulo da porta e das janelas, uma tarja de tinta azul, da mesma cor da porta de trinco, que nunca se fechava à chave.

Dos lados da janela maior, incrustados na parede, dois aros de ferro ostentavam craveiros de viçosos cravos rubros, pendentes, odoríferos.

Entre o lado norte e o palheiro, de duas divisões, a primeira para guardar o feno, a segunda os animais: burras, cabras e galinhas, um bosque inusitado e inacessível de esplendorosas mimosas sensitivas, como que a desafiar-nos, pois a porta que dava acesso a esse jardim dourado, estava apenas disponível no fim da primavera, quando as reservas de feno chegavam ao termo e se armazenava nova colheita.

Um pouco adiante, as furdas dos preciosos suínos, esterqueira para fermentação do estrume, e duas cancelas: a de ferro, para o caminho que dava acesso à fonte e por onde passavam os animais e os carros de bois e outra de madeira, mais estreita, mesmo ao pé da porta, por onde se ia para a horta, o tanque, o poço da nora.

Muitas árvores de variadas espécies.

Flores plantadas a esmo, crescendo de forma quase miraculosa.

A leira dos morangos, com a cameleira ao centro.

E, à direita, algo que maravilhava: era uma árvore de sombra, folha muito recortada, que na primavera dava resplandecentes cachos de flores brancas, as quais eram apanhadas, laboriosamente separadas as pétalas, e fritas em pastéis dos mais deliciosos que imaginar-se possa!

Depois da horta, a vinha.

As árvores eram escolhidas de forma a produzir fruta todo o ano: havia figos de Inverno, cor de romã por dentro e maçãs crespas, enormes, que supostamente deveriam ser consumidas no Inverno, mas eram sempre intragáveis.

A romãzeira, de enormes flores escarlates, era a minha paixão.

E as pétalas das flores dos marmeleiros, uma delícia ... degustavam-se às escondidas.

Com os diospiros, havia que ter cautela!

Ou deixavam a língua carraspana ou a gente se lambuzava irremediavelmente de doçura amarela, que acabaria por nos valer uma sova!

Tinha um grande desgosto a minha avó: por causa das geadas e nevões, queimavam-se-lhe todas as amendoeiras que, persistentemente, plantava.

Ora reza a lenda que tais árvores foram trazidas por um mouro do sul enamorado por uma donzela nórdica que definhava saudosa da alvura a que estava habituada na sua terra....