Cuida de mim?
Quebrando a monotonia de uns bons 30 minutos, ela larga o tererê e se levanta. E levanta com ares de cansada, talvez pela semana, provavelmente pela idade que chegou branqueando os cabelos e dando estalos nos joelhos. E quebrando o silêncio dos mesmos 30 minutos diz ao marido 'Vou entrar na água'.
O marido, aquela entidade típica dos domingos: havaianas um número maior nos pés, shorts esportivo dos tempos idos em que jogava futebol com a galera do trabalho, camiseta pólo branca com listas azuis, na mão uma cerveja suada e eterna.
O marido, também cansado, também envelhecido, também estalando juntas afora, apenas acena e fica ali debaixo da sombra da árvore.
'Mas, viu', emenda a esposa, 'Tu cuida de mim, tá? Que tenho medo'.
E em silêncio ela despe-se até ficar num maiô preto clássico. E em silencio ela caminha até a água, mas dando duas ou três olhadas para trás antes de ter a coragem de afundar além da cintura.
E em silêncio o marido a observa. Olha fixamente, vigia, não perde de vista o vulto preto que é sua esposa contra o sol da tarde. Compenetrado, às vezes dá um gole na cerveja, se permite uma rápida coçadinha no dedão do pé cheio de areia.
Dez minutos depois e a esposa volta, cabelos num cinza brilhante e vivo. O marido, ainda em silêncio, a toca gentilmente na perna, e a esposa sorri. 'Tudo bem?', perguntou sem perguntar. 'Tudo', respondeu sem responder. Calmos e tranquilos, ela volta ao tererê, ele abre outra cerveja, e deixam que outros bons momentos de monotonia e silêncio cheguem.