O que está por trás de catar amoras
Adoro catar amoras. Nessa época do ano em que as amoreiras dão seus frutos, pelo menos aqui em Campinas, fico esperando na cama o dia raiar pra ir catá-las e minha família adora (domingo fiz uma salada de frutas deliciosa incluindo amoras fresquinhas). Escritor é fogo: ideias vem à cabeça a toda hora, já que inspiração sempre tem de sobra em tudo que vemos, fazemos, sentimos. A reflexão abaixo eu fiz há algum tempo catando amoras.
1. É preciso ter vontade de catar amoras – entender o sentimento quando aparece e dar vazão a ele;
Tudo nasce do desejo, da vontade, da intenção. Poderá emergir como um sentimento tímido, trêmulo ou arrebatador, não importa. O que vale é identificar que algo está vindo à tona por alguma razão e que merece ser percebido da melhor forma. Desprezar ou não dar valor aos nossos sinais internos pode até ser um caminho mais cômodo num primeiro momento. Mais para frente veremos que isso foi um erro. Aprender a ouvir o que nós mesmos queremos dizer essencial.
2. Tem que ir até a amoreira – ir atrás daquilo que deseja;
Muitas vezes ficamos centrados na intenção do gesto e não saímos disso. Como uma roda girando em falso, nos mantemos inertes diante da possibilidade de ação ou reação. Tudo ao redor está em movimento e só a gente não percebe isso. Ou se percebe, acaba não dando muita bola. O mundo pulsa em todo canto e cabe a nós determinarmos o caminho e botar os pés nele. Querer não é poder. Querer implica em fazer. Isso é poder.
3. Nem todo lugar tem árvore de amoras – onde as oportunidades aparecem não depende só da gente;
Nada cai do céu pra ninguém. Essa história de quem alguém nasceu com a bunda virada pra lua é papo furado. Todo mundo vem ao mundo com as mesmas possibilidades e potencialidades. A questão genética pode até influenciar, mas não determina o que será da gente. O meio em que a pessoa nasce, a condição financeira da família, a sorte em algumas situações poderá até ajudar. E até atrapalhar, como temos visto a granel em tantas situações. Existe algo intangível que faz parte do show e do qual não temos controle. Não precisamos rotular com esse ou aquele nome. Mas é fato que nem tudo está ao alcance da nossa mão. Entender e respeitar o que não tem explicação ajuda bastante na caminhada de todos os dias.
4. Tem que procurar as amoras maduras, pretas, porque as ainda vermelhas são azedas – esperar o momento certo para agir é essencial;
Ansiedade nem sempre é defeito. Queremos que as coisas aconteçam. Esperar o tempo “delas” muitas vezes traz angústia, insegurança, desânimo. Falar para ter calma nessas horas não ajuda nada. Quantas vezes enchemos o bucho com amoras vermelhas, azedas, achando que estamos degustando o menu dos deuses do Olimpo. A maturidade vem como um alento para lidarmos melhor que essa vontade até insana de querer tudo na “nossa” hora, do “nosso” jeito. Depois de quebrar a cara sucessivas vezes é que entendemos o sentido de ter paciência e represar toda gana insaciável. Pena que, para tantas coisas, isso será tarde demais.
5. As amoras pretas são mais fáceis de tirar da árvore. Dá pra perceber na hora de catar se já estão “no ponto”, maduras – forçar uma situação é mais difícil;
6. Catar amora deixa a mão vermelha – todo esforço tem suas consequências, seu “custo”, seu “boleto”;
7. Mudando de ângulo aparecem novas amoras maduras – não se consegue “ver tudo” ficando sempre no mesmo lugar;
8. Quando mais se procura amoras maduras, mais se acha – as oportunidades na vida são praticamente infinitas para que vai atrás delas;
9. No alto sempre terão muitas amoras maduras – ir aonde a maioria das pessoas não vai poderá indicar um campo fértil e inexplorado;
10. Tem que trazer as amoras colhidas de forma adequada para não deixá-las cair no chão – não basta conquistar o que queremos, é preciso conduzir com cuidado o que virá seguir;
11. É extremamente prazeroso comer amoras para quem gosta – nem todos compartilham dos mesmos sentimentos e predileções que a gente;
12. Existe um tempo certo no ano para colher amoras – nem tudo acontece na hora que a gente quer. É preciso esperar o “tempo” de cada coisa e isso foge do nosso controle;
13. Pode-se colher amoras e congelá-las para comer o ano todo – é possível usufruir algo todo o tempo, se soubermos colher e armazenar de forma correta. Não será igual à fruta colhida no dia, mas poderá suprir de alguma forma a necessidade;
14. Se chove, as amoras ficam maduras mais rápido – dependemos de fatores externos, alheios à nossa vontade, para que determinadas coisas aconteçam na vida. Nem tudo depende só da gente;
15. A maioria das amoras maduras caem no chão – perde-se muitas oportunidades porque não as “catamos” na hora certa ou não estamos no lugar certo quando acontecem;
16. Algumas amoras maduras estão em locais de difícil acesso, atrás de galhos por exemplo, que exigem esforço especial para pegá-las – estratégia e determinação são essenciais para alcançar determinados objetivos;
17. Normalmente não sabemos quem plantou a árvore de amoras – desconhecemos a origem do que usufruímos;
18. Às vezes as amoras que colhemos têm pequenos insetos que estão se alimentando delas – é preciso entender que nem tudo na vida é só da gente;
19. Dá prazer colher amoras e dá-las para alguém de presente – seja para alguém conhecido ou desconhecido, é gostoso cultivar o hábito de doar (compartilhar) o produto do nosso trabalho, do nosso conhecimento ou das nossas intenções mesmo com pessoas desconhecidas;
20. Catar amoras é normalmente um ato solitário – algumas ações importantes na vida ocorrem sem outras pessoas por perto;
21. Colher amoras é inspirador, quase uma terapia – como é algo praticamente intuitivo, sem exigir grandes reflexões ou análises, deixa a cabeça livre para ter ideias de forma espontânea. Como é o caso da produção desse livro;
22. Catar amoras deixa o sapato sujo de terra, que demora para sair – as consequências dos nossos atos ficam bom tempo com a gente e nos “livrarmos deles” dá trabalho;
23. Pegar uma amora mais atraente (grande, bem madura) pode nos ferir num galho – quantas vezes a gente é atraído por algo de tal forma que vamos “com tudo” sem pensar nos riscos e no que pode nos machucar ao redor e acabamos nos ferindo;
24. Às vezes uma amora parece madura de um lado e do outro não – é necessário ver o “conjunto” para termos certeza da escolha certa;
25. Pelo volume de amoras no chão, dá para pensar que pouca gente normalmente vem catá-las – quantas coisas boas e saborosas na vida acabamos deixando de usufruir simplesmente porque as ignoramos? Ou não damos a devida importância?
26. Catar amoras numa árvore em local público não custa nada – poucas coisas nessa vida não têm preço embutido;
27. Quantas vezes vamos atrás de uma amora linda e quando a tocamos ela cai no chão e a perdemos – lidar com as frustrações de perder em alguns momentos faz parte do jogo da vida;
28. Duas amoras próximas num lugar de difícil acesso obrigam a decidir qual delas pegar, porque se pegarmos uma, esbarraremos na outra que cairá no chão – para se conseguir algumas coisas, muitas vezes o preço é perdermos outras que também seriam legais;
29. Às vezes, uma amora aparentemente boa está estragada e só percebemos quando a colocamos na boca – não dá pra saber tudo de antemão na vida. Muitas vezes, temos que experimentar coisas ruins acreditando que são boas;
30. Temos que transportar as amoras catadas com cuidado, senão poderão estragar - não basta conseguir o que queremos. É preciso ter a sensibilidade para “conduzir” o que foi conquistado com atenção. Caso contrário, corremos o risco de colocar tudo por água abaixo.