Sobre Domingos e Cidades
O domingo era quente, a tarde, já bem avançada. Roupa leve, tênis de corrida, e uma porção de ruas para explorar: lá ia eu numa caminhada domingueira.
E ia um tanto zumbi já que ia envolto nas ansiedades do que passou e do que ainda poderia se passar, enroscado naqueles probleminhas que alguns chamam, orgulhosamente, de 'coisas da vida adulta'.
- Ô, tio, chuta aí!
Era o mundo que me chamava de volta. Uma bola estava parada à minha frente. Do outro lado da rua, dentro de um quintal, três crianças me olhavam com expectativa.
Fiquei um tanto preocupado.
Não tanto pelo fato de ser prontamente chamado de 'tio' por pré-adolescentes (mas... já?), e sim pelo desafio que me era imposto: chutar uma bola.
Quanto tempo desde a última vez?
Por sorte, ou por talento nato e oculto que me faria o camisa 10 da seleção, consegui um passo preciso a meia altura e de alguns bons metros. Me dou palminhas nas costas.
- Valeu!
As crianças agradecem e voltam à brincadeira e aos risos.
É quando sinto um cheiro doce. Farinha, manteiga e açúcar, com certeza, estavam sendo assados em alguma casa próxima.
Noutra casa, na varanda cheia de samambaias penduradas e com uma imponente comigo-ninguém-pode posta num canto, um pequeno grupo de senhoras sentava em torno de uma garrafa térmica e bebia chimarrão.
Numa terceira casa, atrás de uma grade branca de meia altura, um cachorro malhado como uma vaca e grande como um bezerro olhava o mundo com seus olhos castanhos, úmidos e pacíficos; a tranquilidade dele era tanta que se eu dissesse 'boa tarde' era certo que ele responderia 'taaarrrde'.
Sigo adiante, já menos zumbi, e lembro duma amiga. Ela dizia que a gente só sente a cidade quando põe os pés nas ruas e que há muita gente que nunca, quase nada, sentiu a cidade em que vive.
Ainda envolto pelo cheiro doce e por risadas, concluo que é uma grande verdade.