Memórias de um faroleiro III

Ela, nervosa, falava das suas visões que para ele eram totalmente descabidas e equivocadas. Ele sentado, cabeça baixa, pacientemente ouvia sem interpelação. O clima entre eles estava tenso há alguns dias. Os eventos simultâneos foram deixando a conversa sobre o assunto polêmico para depois. Mas agora, após a tarde na piscina e a troca de olhares indiscretos de um grupo de jovens mulheres sorridentes para o seu noivo, tudo o que acontecera no fim de semana veio à tona.

O silêncio dele a deixava ainda mais angustiada. Quis até romper o noivado, desatar o laço que os unia, fazia nove meses.

Cada qual com a sua razão, seu ponto de vista... mas tudo parecia, para quem via de longe, pura ilusão...

Seria triste deixar que o rumo daquela nau fosse dar nos rochedos intrépidos da incompreensão. Tudo poderia ser desfacelado pela falta de cuidado e atenção; tudo poderia ser desconstruído pela contumaz obsessão.

Quando as lágrimas brotaram nos olhos dela, ele se levantou e num ímpeto a beijou como fazia no início. Ela tentou se esquivar mas foi cedendo à medida que sentia a força dele. Sabia que era o seu jeito de lhe calar, mas desta vez percebeu os olhos marejados que, cerrados, estavam pedindo trégua. Nada do que havia acontecido tinha importância agora. Havia entre eles um fascínio mútuo mas também uma necessidade de controle que beirava à loucura. A paixão era como um grito ensurdecedor que mais causava dor que prazer.

O ciúme dele parecia doentio, não podia compreender a cena que ele fez ao deixá-la sozinha no coquetel que o capitão oferecia. Ela sorriu com amabilidade para uma fotografia. Foi só isso...

Era desse jeito que o amor acontecia para eles... Sem lucidez nenhuma.

Mais uma vez o refúgio nos braços um do outro mostrou a eles a quem pertenciam seus corações.

Pela manhã, o sol entrava pela vidraça com vista para o mar e revelava os corpos preguiçosos que se entrelaçavam em carinhos muitos. A viagem dos sonhos prosseguiu à bordo do cruzeiro que agora, cortava as águas brilhantes bem em frente ao farol onde eu, um velho marinheiro, dava serviço desde a madrugada anterior...

Cláudia Machado
Enviado por Cláudia Machado em 19/10/2018
Reeditado em 19/10/2018
Código do texto: T6480610
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