Quando o sono fugiu de mim
Tem noites em que o sono fica arredio, fugindo da gente numa desembestada avalanche. A cabeça se inquieta e trepida querendo funcionar. O corpo, já rendido por conta dos suores ungidos pelo dia, pede sossego. Mas sua voz amordaça e pouco ecoa. Esse sono que escapuliu por milhares de frestas parece ter abandonado de vez, partindo para um exílio perpétuo. Tento relaxar buscando alguma fagulha de paz interior. Tento domar os pensamentos para que parem de estrebuchar, em vão. Quanto mais tento interromper essa apoteose mental que apoderou sem trégua, mais ela se manifesta, espalhando suas asas pelos rincões mais entroncados da minha alma. Resolvo, então, escrever. Talvez as palavras possam represar essa energia fora de hora que, desobediente, faz valer seus passos com vigor juvenil. Elas começam a ser evocadas, uma a uma. E começo a sentir um formigamento nos chãos do meu cérebro, inicialmente trêmulos, mas se tornando palpáveis num gradativo caminhar. Então o sono aparece lá de longe vindo se aconchegar perto de mim. Um sono gentil, generoso, suave. Leves bocejos vão alvorecendo sem pressa. O olhar se lacrimeja, indiciando que as pegadas do sono estão a caminho. A cada palavra vou me enebriando, abrindo passagem para o descanso reinar com todos seus aparatos. As palavras, mais uma vez, acudiram meus pleitos, como fiéis servidoras sempre prontas à estender sua mão quando mais precisava. Obrigado, palavras, pela generosidade em arrebatar meu descanso. Agora vou dormir. Boa noite.
Esse é meu texto de número 1.300 publicado aqui no Recanto,
trabalho iniciado em 01/04/09.