Fim dos tempos

Estava ficando velho. Forças se esvaindo, ossos articulando com mais cautela. O tempo não soubera poupá-lo de seus versos e, traidor, fez valer nele as dores que, ano passado ano, foi construindo com a paciência de pescador. Agora, velho, só lhe restava se conformar com essas duras regras do jogo, das quais sempre zombou, fazendo pouco caso toda hora. Sempre achava que se manteria no apogeu da juventude numa eternidade sem breque. Tinha uma certeza divina que o manto da morte só cobriria os demais e que para ele só tinham destinado o néctar da plena virilidade, com todas suas enebriantes nuances. Mas errou no seu modo de interpretar a própria vida. Errou supondo que o relógio do tempo estancara na sua alma e nunca mais desandaria a funcionar. Os cabelos brancos se apropriaram do terreno que, outrora, era cativo dos seus irmãos castanhos que, tempos passados, eram tão loiros que o chamavam de alemão. Um velho com todas as teclas que tinha direito. Nessa contagem regressiva rumo ao desconhecido, a um fim que bem poderia ser novo começo, se entorpecia de uma angústia que nunca havia provado antes. A iminência do fim o apavorava, levando à beira da loucura, do mais liberto desespero. Seus guizos da verdade, que foram tão aguçados e certeiros, agora se viam trêmulos, arredios, esquisitos. Envelhecer era algo que vasculharia os confins do seu entendimento da vida, da alma, de Deus. Deixaria todos seus valores boquiabertos, embriagados, cativos num galope esquisito, pois sabia que dessa cuia não teria como fugir. Tinha claro que estava alinhavando seu epitáfio com as folhas teimosas do inconformismo. Não queria envelhecer, não mesmo. Mas estava sacramentada sua sentença e agora só lhe restava o gosto amargo do fim vindo cada vez mais perto, com seu hálito inconfundível dizendo "tô chegando, tô chegando...". Ser velho era o semblante que, por sempre, relegara a um horizonte tão longínquo que tinha todas certezas de que nunca viria a relar nele. Mas agora, impassível, chegou com suas malas e disposição para não ir embora nunca mais.

Oscar Silbiger
Enviado por Oscar Silbiger em 14/09/2018
Reeditado em 16/09/2018
Código do texto: T6448187
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