ASAS À SAUDADE
E vínhamos as duas, cansadas de mais um dia, recordando o antigo colégio - motivo da nossa amizade - os nossos sonhos, afetos secretos, encantos, encontros, livros... Alguém tocou a campainha. Ele parou. Aquele alguém desceu. Na estrada, relembramos as vezes em que, por pirataria, burlávamos as normas internas e o devido respeito exigido às mesmas e íamos furtar, gostosamente, o lanche dos padres e professores, depois de já termos nos saciado com o nosso. Aquele lanche tinha um sabor diferente. Muito diferente. Um dia, fomos pegos em flagrante: nada aconteceu, apenas um sermãozinho e uma cara zangada. Relembrávamos sorrindo e com uma grande saudade.
Toquei no braço da amiga. Ela olhou assustada. Fiz sinal para que ela escutasse. Olhou-me, saudosa, e de repente estávamos as duas bem no centro daquela pista. As primeiras notas já haviam iniciado o movimento dos nossos braços que se erguiam, suave e graciosamente, como as asas da garça que sobrevoa as águas, e se abaixaram. As cabeças se inclinaram, num gesto de resignação, e os joelhos, numa manifestação de agradecimento, louvor e graça, docemente saudaram o solo no compasso daquelas notas.
Eram movimentos rápidos e graciosos que não se comparam à dança de um cisne enamorado. Doces e adolescentes como duas flores inseguras num vento morno de outono. Mas firmes, bem firmes naquela nossa idade rosada.
Naquele compasso gostoso, o condução levava os nossos sonhos: os braços se estendiam ágeis, os sapatinhos de cetim escondiam pezinhos ligeiros e com pressa para andar com pressa e depressa. Todo o conjunto de movimentos formava uma melodia. Todo o corpo era um divino conjunto de sons e tons.
No último passo do compasso o condução parou. Parei de sonhar, mas esqueci de acordar. Desci, encantada, atravessei o terminal e o farol de um carro iluminou-me na dança de todos os dias!...