O sal das estrelas
Eu caminhava muito apressadamente. Tropecei em algum nada insuportável e irregular. O nada empurrou minha atenção para o céu que estava logo ali, em minha cabeça – sabe quando você esbarra sua tão majestosa e ínfima pressa num troço; engole um palavrão que rasga a garganta, em respeito à alma da noite; levanta seu olhar soberbo e se depara... Com o céu... Sabe?
Eu vi! E tive que me dispor a olhar com humildade e fineza. Aquilo exigia minuciosidade: estrela grande, estrela pequena, estrela fria, estrela gorda, estrela elegante, estrela chocha, estrela grudenta, estrela forte, estrela mais forte ainda, estrela branca, estrela amarelinha, estrela magra, estrela estrela... Tão lindas, plenas, ingênuas, gratuitas e nobres. Elas são na arte de iluminar. E o que acontece quando o dia vem? Por que não ficam um pouco mais? E por
que deveriam ficar?
Não damos conta de sentir, com real imersão, a aparição exuberante das estrelas. Não dançamos com elas, porque nos ocupamos em esquecer que
somos parte do seu espetáculo. O universo tem de se dar o trabalho de mobilizar alguma de suas peças para nos fazer tropeçar, a fim de que nós percebamos a preciosidade e a delicadeza de ser e estar no mundo dos sentidos mais encantadores, aqueles responsáveis pela construção de cada pedacinho de experiência brilhante. Tropeçamos nos nadas cruéis e duros; só, então, contemplamos e imploramos às estrelas: "não cessem." Nós, tão
sabidos de que tudo um dia dorme; nós, tão cientes do nosso próprio sono, suplicando que as estrelas fiquem mais.
Tudo vai adormecer um dia: da estrela mais forte ao desejo mais fundo; da pessoa mais plena ao amor mais puro. Tudo há, tudo tem de adormecer. Melhor rogar, em prece incômoda, para que haja, cada dia, um pouco mais de tropeço.