Caro eleitor
Gabinete Legislativo
Ofício 4.960/ 07
Caro eleitor,
venho por meio desta responder a vossa missiva concernente a vossa pertinente insatisfação a despeito das investigações da Justiça quanto às denúncias da oposição contra mim dirigidas e tão copiosamente enfatizadas pela imprensa.
Vossa senhoria houve demonstrado estar indignado com a corrupção parlamentar, com o desvio de verbas públicas, com a compra de votos, com as propinas dedicadas à compra de aliados dos partidos de oposição, com o veto ao aumento do salário mínimo e com a aprovação do reajuste salarial da câmara, demonstrou indignação com o descaso pelos hospitais públicos, pelo sistema penitenciário, pela segurança pública, pela redução dos impostos bancários e pelo saneamento básico. E ao termo de vossas enumerações, concluo que minha pessoa, meu partido, e todo o sistema parlamentar e político de nosso país carecemos de responsável senso público de cidadania.
Se minha categoria tivesse senso público de cidadania não utilizaríamos o dinheiro público – arrecadado dos impostos onerados dos salários dos trabalhadores, de suas propriedades e de seus produtos de consumo – para benefício próprio: o utilizaríamos para as verdadeiras necessidades públicas, como bem assim atesta a noção de nosso país, uma república. Contudo, concluo também que a vossa senhoria e a vossa categoria, isto é, o eleitorado nacional, também careceis, de igual forma e em proporcional medida, de responsável senso público de cidadania.
Se vossa categoria tivesse senso público de cidadania obviamente não utilizaríeis vossa capacidade de voto para eleger e reeleger políticos sem senso público de cidadania: vós vos organizaríeis em candidatos honestos e educados para o compromisso do zelo ao bem público e a eles vós elegeríeis, ao invés de eleger, eleição após eleição, indefinidamente, a mesma classe de políticos que nunca zelaram pelo bem público, e que continuarão a não zelar pelas próximas gestões, isto porque, como concluído, eles não têm senso público de cidadania, mas que só podem ser eleitos e reeleitos por cidadãos também sem senso público de cidadania, pois, do contrário, não os elegeriam.
Se vossa categoria tivesse senso público de cidadania saberíeis que um cidadão com senso público de cidadania é um indivíduo responsável pelo bem público de sua comunidade, e que este bem público está acima de seu individualismo egoísta tão ansiado e pretendido a todo custo: quando se avança um semáforo porque não há guardas para multá-lo, ou quando se procura o parente agente de trânsito para livrá-lo da multa quando é pego, por exemplo. Então como desejais políticos honestos quando quem os elege também é desonesto em sua medida? Não justificais a corrupção dos políticos, mas justificais a vossa TV à cabo clandestina, vossa sonegação fiscal, vossos eletrônicos piratas, vossos favores concedidos pelo funcionário público amigo.
Se vossa categoria tivesse senso público de cidadania não permitiríeis que vossos filhos e os filhos de vossos concidadãos permanecessem à mercê da polícia corrupta, da escolarização alienante, do marginal desprezado, do baixo salário, e da violência doméstica: vos organizaríeis diante da imprensa, das secretarias municipais, da câmara de vereadores, das delegacias, dia após dia, sem descanso – eis aí um sacrifício digno de quem possui senso público de cidadania -, mas preferis que quaisquer outros o façam em vosso lugar; exigiríeis que a mídia propagasse o debate social e político ao invés de novelas e reallity shows idiotizantes, mas preferis dar audiência ao irreal, à farsa, ao ridículo, ao obsceno; mas vós estais cansados, sois permissivos, tolerantes demais: sois passivos, corruptamente passivos.
Assim sendo, não posso, a partir de minha efetiva conclusão, crer que possa haver indignação justa e legítima, portanto, quanto à corrupção infrene de minha categoria, porque nós e vós sofremos do mesmo mal, da mesma inabilidade, da mesma lógica, das mesmas justificativas, das mesmas tolerâncias, da mesma permissividade, da mesma educação, do mesmo raciocínio, da mesma visão, do mesmo juízo: carecemos todos de responsável senso público de cidadania.
Com igual estima,
Seu consorte concidadão democraticamente eleito.