Simplesmente, Duda
Duda bateu em minha porta por volta de meia noite daquele sábado maravilhoso que nos proporcionou um dos melhores momentos de minha vida:
— Vô, a minha mãe está vindo me buscar.
— Mas Duda! Por que você quer ir embora?
— Vô, é que eu estava no celular e quando eu vi a foto da minha mãe, eu senti saudade.
Neste momento, o telefone tocou e minha filha Raisa dizia que fecharia o caixa e logo estaria a caminho.
Tentei dialogar com a minha neta a dizer coisas que poderiam fazê-la mudar de ideia:
— Meu amorzinho, a sua mãe ainda está vindo, porém eu gostaria que ficasse comigo até amanhã e te juro que logo que amanhecer o dia eu te levarei para casa.
— Mas Vô, eu estou com saudade da minha mãe.
Respondeu com lágrimas nos olhos.
— Duda, hoje nós nos divertimos muito no piquenique da Quinta da Boa Vista e o vovô fez todas as suas vontades. Jogamos futebol, o pula-pula ficou o tempo todo a sua disposição e eu pude mais uma vez desfrutar da companhia da mais preciosa criatura.
— Mas Vô, eu estou com saudade da minha mãe.
— Duda, por que então você não dorme cama do vovô?
— Mas Vô, eu estou com saudade da minha mãe.
Ela continuava a responder e suas lágrimas me deixavam com dó daquela pequena menina que encantava o meu coração a me impedir de dizer “não”. Tentei argumentar a dizer que o nosso bairro estava em estado de alerta, pois vários carros da polícia haviam se espalhado pela redondeza e durante o dia, o exército tinha cercado todas as comunidades e realizado uma operação de cerco e que por este motivo seria muito perigoso o deslocamento de seus pais para a nossa residência que se encontrava em outro município.
Eu esperava mais gotas de choro naquele rostinho rosado e copiado da bisa Tontonha daquela criança de apenas 8 anos de idade acompanhadas da repetida resposta, “Vô, estou com saudade da minha mãe”, entretanto, ouvi o mais retórico argumento:
— Vô, presta atenção. Este é mais um motivo para que eu vá em segurança pra minha casa, porque o meu pai vai estar protegido, pois o senhor mesmo está falando que existe vários policiais nas ruas.
Pronto! Não tive mais argumento, fiquei por alguns segundos paralisado a refletir na certeza que aquele pequeno pedaço de gente é capaz de me mostrar que segundo Freud, “A história do homem é a história da sua repressão”.