Stand-up no ônibus
De uma minuciosa observação ao nosso redor, no trabalho, na escola, na praça, no cinema, no ônibus, podemos extrair histórias interessantes, cômicas, tristes, absurdas, sobre o amor, sobre vida e a morte, etc, como esta que transcrevo, quase exatamente como a ouvi da minha esposa Rosangela ontem à noite, depois que ela chegou do trabalho.
Uma robusta senhora de meia idade e rosto jovial entra no ônibus articulado indo na direção do bairro paulistano da Lapa. Todos os bancos ocupados e algumas pessoas de pé, a senhora sobe com pequena dificuldade os degraus e segura firme no encosto da primeira cadeira.
— Boa tarde, gente, boa tarde, motorista! Cobrador, motorista, vocês podem levantar pra gente sentar?
(Risos…)
— Nossa, quantos velhos! E a maioria mulheres. Cadê os homens deste ônibus, cadê os homens deste mundo, meu Deus? Depois as mulheres ainda dizem que estão sendo encoxadas. Só se for por outras mulheres. Bem que dizem que homem atualmente é artigo de luxo e em franca extinção.
Apesar da divertida indireta para que algum homem lhe cedesse o lugar, ninguém levanta.
E ela continua:
— Essa história de encoxar às vezes rende até piadas. Na semana passada uma amiga minha, bem mais jovem e mais bonita do que eu (e olha que dizem que ainda sou muito bonita, hein?) pegou este mesmo ônibus, que como hoje estava lotado, e um homenzinho atarracado encostou nela por trás. Não foi um simples esbarrão como ocorre naturalmente nos ônibus cheios. Ele encostava e pressionava. Ela tentava se livrar dele, mas estava difícil porque se levantasse o pé outro pé alheio ocuparia imediatamente o lugar. Depois de dois minutos ela olhou feio pra ele e pediu que desencostasse aquela coisa volumosa das suas nádegas.
Ele respondeu:
— Minha senhora, eu recebi o meu pagamento hoje e pra não ser roubado escondi o pacote com o dinheiro dentro das calças.
Imediatamente minha amiga respondeu:
— O senhor dever ser um ótimo funcionário, pois em poucos minutos já teve no mínimo três aumentos salariais.
(A população sentada irrompe em gargalhadas)
— Quando o ônibus está lotado eu sempre aviso aos homens para não apalparem as minhas coxas, senão eu gemo “uuuiiiiii”, mas não é de prazer, é de dor como quando o meu marido me aperta as carnes. Ultimamente venho sentindo tantas dores nas pernas que ninguém pode nem esbarrar nelas.
Várias paradas, sobe e desce gente do ônibus, mas a senhora continua de pé. Todos o homens e mulheres mais jovens que estão sentados disfarçam, uns olhando pelas janelas, outros fingindo ler ou dormir. Realmente, foi-se embora o cavalheirismo dos velhos e bons tempos.
— Mulher nasceu pra sofrer, gente, porque cuidar de marido e de filhos não é fácil. Eu tive muitos filhos e desmamei todos quando completavam seis meses. Eu seguia a recomendação dos pediatras. Só o meu marido é que há décadas não consigo desmamar.
Um rapaz que o tempo todo estivera sentado no banco ao lado da senhora de pé, rindo toda vez que ela pilheriava, só agora puxa a campainha, levanta e diz: — Pode sentar, por favor, dona.
Ela o encara e, com o seu incomparável bom humor, retruca rindo:
— Meu jovem, lhe agradeço a gentileza, mas agora não precisa mais… Motorista, pode parar por favor no próximo ponto? Gente, obrigado pela companhia, apesar de eu ter vindo de pé, foi muito bom passar estes minutos com vocês. Bom descanso e uma boa noite a todos.
E desceu vagarosamente, como lhe permitia a idade, sempre rindo. De fora, enquanto o ônibus arrancava, ainda acenou com a mão.
(Aplausos calorosos dentro do ônibus).