Malasarte

Ele está lá hoje. Parece que bebeu outra vez. Ontem estava sóbrio e parecia tão bem... Naquela pasta há o mundo onde ele viaja.

Todos os dias ele para ali na esquina, terno preto, sapatos de couro sem as meias e uma valise antiga. Dentro dela, revistas e cadernos velhos.

As vezes, o vejo daqui da minha janela, mas quando posso, me demoro na padaria em frente ao seu ponto, só para para ouvir os poemas que ele recita. Num linguajar diferente, não poderia ser fiel ao poeta, mas os últimos versos de cada estrofe ele os pronuncia bem. Na boca, faltam-lhe os dentes, mas o sorriso que ele mostra no final de cada declamação, ah.,. Vem da alma!

Outro dia ele falava sozinho, ou melhor, para quem passasse e quisesse ouvir. Dizia que estava indo estudar. Ele nunca pôde frequentar um banco de escola. O sonho dele era aprender a ler e escrever. Enfatizava: Sabia assinar o nome! As primeiras letras ele aprendeu com uma tal de Mocinha. Pelo que entendi, era a filha da patroa que a mãe dele tinha. Aprendeu ainda menino, "fazer o seu nome bem bonito".

Malasarte é como lhe chamam, esse homem que ninguém sabe donde veio e pra onde vai. Só sabemos que ele é um aprendiz na escola da vida e que está disposto a aprender da beleza e tudo o mais que ela tem a ensinar.

Cláudia Machado

12/5/18

Cláudia Machado
Enviado por Cláudia Machado em 12/05/2018
Reeditado em 13/05/2018
Código do texto: T6334803
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