Saudade

No trajeto pra casa, tem um quarteirão meio escuro. Na realidade, um não, dois e meio. Falo do trecho da Rua dos Ourives que está sem iluminação. Para deixar o local com um aspecto fantasmagórico, há nessa rua casas muito antigas. Algumas fechadas há anos. Outras servem de albergues para pessoas de parcos recursos. O aspecto dá medo até no mais corajoso dos garotões que se exibem no skate na praça que fica ali perto. Eu não me atrevo a passar pela calçada. Sigo pela rua pavimentada com pedras irregulares do tempo do império ainda, afinal essa parte da cidade é antiga demais e os casarões acumulam histórias de quase 200 anos. E são esses enredos que ecoam em meus ouvidos quando passo em frente à essas casas trancadas e sobrados mal iluminados.

Vejo, num flashback imaginário, a mocinha na sacada.O balcão ainda tem os rococós perfeitos, porém não tão alvos, como no tempo em que fora um palacete glamouroso. Os cachos da moçoila são louros e emolduram a tez alva que seduz o jovem magro, vestido de terno e que usa os cabelos lambidos para trás. Ele a olha apaixonado enquanto dois amigos lhe fazem uma serenata. Canta uma modinha, talvez "Você Trata Amor em Brincos" de Domingos Caldas Barbosa... Ela faz um gesto de desdém, mas não consegue disfarçar que o cupido acertou em cheio o seu coração.

Minha imaginação viaja veloz naquele tempo, quando um cachorro magro passa por mim. Quase levo um tropeção e isso me faz endireitar o corpo, seguir apressado até chegar à avenida movimentada, onde espero pacientemente a turma do caminhão de lixo recolher as caixas jogadas na calçada, para atravessar. Mais a frente, um grupo de pessoas se amontoam para entrar no ônibus que vai para o bairro da Saudade. Junto-me a eles e esqueço-me da nostalgia que, todos os dias, transporta-me à outra época, e que conta-me uma outra historia dessa cidade.

Cláudia Machado

9/5/18

Nota: A música citada de Domingos Caldas Barbosa pode ser ouvida no SoundCloud.