Aquele jogo
A expectativa daquele jogo foi a graça. Como de muitos outros. A nossa entrada no Maracanã lotado foi triunfal. Chegando às arquibancadas pelo pequeno túnel de acesso e nos deparando, na bela tarde de sol, com o verde do gramado e a infinidade de bandeiras e faixas das duas torcidas que enchiam o Maracanã. E depois a emoção de ver o nosso time saindo do vestiário.
Mais de 150 mil pessoas, os jornais diriam no dia seguinte. E não noticiariam as verdadeiras batalhas de guerra entre torcidas, às vezes até entre elementos da mesma torcida, que vemos hoje pela TV. Batalhas que promovem espancamentos em que se envolvem por vezes mais de 80 ou cem pessoas. Quando o público nos estádios, ou pelo menos no Maracanã, não pode ultrapassar em nossos dias o limite de 80 mil expectadores.
Nada de anormal nisso, embora possa parecer contraditório: quando o público era maior, não havia tantas brigas e confusões; hoje, quando o número de torcedores é obrigatoriamente menor, e por razões de segurança, os conflitos são muito mais violentos e frequentes, podendo até gerar óbitos.
Não chega a assustar porque nos conduz à situação já conhecida – uma condição universal – segundo a qual tudo passa. Ou se transforma. E o futebol está passando. Como sucedeu com as Grandes Sociedades no Carnaval. Que cederam lugar às Escolas de Samba. Que vão se transformando hoje, de novo, em Grandes Sociedades Carnavalescas, em que proliferam a imagem e o som, com o fulgor das alegorias monumentais, em detrimento do chamado “samba no pé”.
A bola começa a sair dos pés e se dirigir às mãos. O basquete e o vôlei começam a reunir um número maior de adeptos entre os jovens e a encher mais os estádios nesses tipos de jogos. Até o tênis, embora seja ainda um esporte relacionado a classes mais elevadas, vai conseguindo ganhar corpo diante do futebol.
No país do futebol, embora ele não tenha sido aqui inventado, concorre também para o seu declínio a performance de seus dirigentes esportivos, cada vez mais envolvidos em casos de corrupção. Desde o mais simples diretor de clube até os ocupantes dos cargos mais elevados na administração do futebol brasileiro. E até mesmo a nível internacional, não devendo ser excluído o cargo de Presidente da FIFA.
O povo vai absorvendo tudo isso. Tal como o bebê, que também se nutre com o resultado das brigas entre o marido e a mulher.
Por isso, aquele jogo que assistimos tornou-se difícil de se assistir de novo.
Rio, 18/05/2014