Briga de aranha
Raul Seixas não previa, quando lançou o vinil com a música “Rock das Aranhas”, em 1980, que em pouco tempo sua letra se tornaria ultrapassada, por um lado, e politicamente incorreta, por outro. Bom, claro, esses conceitos não existiam explicitamente nos tempos do grande Raul. Muito menos, o Grande Irmão não tinha tantos olhos como hoje e nem éramos tão vigiados e rotulados pelas patrulhas como somos no ano da graça de 2018. Não vou nem correr o risco de dizer que acho essa briga de aranhas bem humorada, porque alguma entidade, quem sabe até o Ibama, pode querer me processar. De qualquer maneira, creio que seria perdoado, pois todo mundo sabe que acho graça até em propaganda de seguro de saúde.
Pois bem. A letra é ultrapassada porque já se tornou moda na maior parte do mundo depilar a região pubiana feminina, por uma série de razões que vão do modismo à estética e à higiene. Até chegar às raspadinhas, o mundo enfrentou matagais nos primórdios da Playboy e Penthouse, depois passou pelos “bigodinhos”, “corações” e pelas ecológicas “matas ciliares” até desaguar na depilação completa do outrora misterioso Monte de Vênus. Se vamos fazer analogia com a destruição da natureza, passamos da selva africana ao deserto do Saara em poucas décadas. Algumas mulheres chegaram a optar pela depilação definitiva e já há inclusive campanhas para que os homens também adiram (adiram, sim) à depilação de sua outrora intocável região, que, em analogia com a denominação feminina, poderia ser o Pico de Marte.
Por outro lado, pelos padrões atuais, a letra é politicamente incorreta, muitos a acusam de homofóbica, a começar pelo título. É melhor não enfrentar a ira dos extremistas do correto e arriscar a ganhar um processo, algumas multas, penas carcerárias, distribuição de cestas de alimentos e coisas parecidas. Para essa fatia da opinião pública a briga das aracnídeas é sagrada, é legítima - e pronto e ponto final.
Passamos rapidamente a viver um novo mundo, não previsto pelo anarquista Raul. De repente, você que já está mais erado (erado, não está “errado”) começa a se sentir um estranho no ninho. Sempre vem a lembrança do meu avô, José Rodrigues Santiago, Zé Vovô, que ao ver-nos de cabelos grandes, à Beatles, e de calças boca-de-sino, apertadas na cintura, dizia: - já posso morrer, já vi tudo. Até aranha brigando por outra, dispensando a cobra do Raul, gratuita e gentilmente oferecida para acabar com a cizânia. Isso na interpretação dele naquele tempo. Hoje, se você avistar briga entre aracnídeas, não cometa os erros do Raul: não separe e nem chame a turma do deixa-disso. Não interfira na natureza, deixe que elas se virem.