MATURIDADE: O VÔO DA BORBOLETA

“Tudo passa sobre a terra”.

José de Alencar, in Iracema.

Outro dia, entrou lá em casa uma borboleta. Muito bonita. Grande. Durante o dia, borboleteava de um lado para o outro, parecendo querer conhecer todos os cômodos da casa. Às vezes, pousava no alto da parede e observava tudo lá de cima. Depois, começava tudo novamente: voava daqui, voava de lá. Cansava. Parava exausta. Parecia alegre e feliz, dentro daquele recinto. À noite, parou de vez numa das paredes da sala. A escuridão adentrava alguns dos cômodos, e a borboleta, meio que afugentada, silenciou os seus vôos. Ficou imóvel. Suas cores misturaram-se com as da escuridão. Agora, estava triste. Meio desconfiada de alguma coisa.

Uma das minhas sobrinhas, que viera passar a noite em casa, ao ver a borboleta, pediu-me que eu a enxotasse dali, pois não dormiria tranqüila sabendo que um bicho a espreitaria durante todo aquele longo período de sono. Peguei uma vassoura e, cuidadosamente, comecei a conduzir esse frágil inseto a sair de casa. Voava desesperada. Debatia-se. Desviava da vassoura. Mas não se entregava. Pousava no teto. E, numa velocidade esvoaçante, rumou para a janela do quarto que estava aberta e saiu gloriosa. Foi embora. Desapareceu na negritude da noite.

A fim de atingir estágios de manobras radicais de vôos, a borboleta precisa passar por algumas fases difíceis da sua vida, ou seja, do ovo para lagarta, começando, a partir daí, ter a necessidade de ganhar peso; troca de pele de quatro a cinco vezes para crescer e, depois procura um lugar bastante adequado para transformar-se numa crisálida, que fica pendurada num casulo de seda preso a uma planta. Dentro desse casulo, a lagarta transforma-se numa borboleta e, quando adulta, sai da crisálida e espera por algum tempo até que suas asas fiquem secas para depois esticá-las, antes mesmo de voar. Quanto sacrifício que esse inseto tem de passar para tornar-se ágil, veloz, controladora de seus próprios movimentos!

A história da borboleta mistura-se com a nossa história de vida. Nossas fases da vida. Nascemos pequenos, depois vamos crescendo, nos tornamos pré-adolescentes, adolescentes, adultos....E maduros. Quando chegamos na fase da maturidade, tudo parece esclarecer-se. Tudo aquilo que pensamos e fizemos um dia, torna-se, nessa fase, uma insignificância. Como perdemos tempo com picuinhas, intrigas, ciúmes! Sentimentos esses que nos causaram tanta dor, tantas desavenças, que nem sabíamos explicar o porquê de tudo aquilo. Éramos, muitas vezes, egocêntricos ao extremo. Muito instáveis. Volúveis. Parecia que uma névoa cobria nossos olhos e pensamentos. Não entendíamos o porquê de tal acontecimento ou mudança. A partir de um certo momento, começamos a alçar vôos mais altos: evoluímos psicologicamente. Era preciso, caso contrário, sofreríamos mais ainda. E hoje, olhando lá de cima, como fez a borboleta da minha história, tais sentimentos ficaram claros e começamos a nos questionar por que não agimos dessa ou daquela maneira naquela época. Nada é um problema tão grande hoje. Costumamos dizer que tiramos tudo de letra. Lembram-se da palavra “morte”? Palavra terrível. Temida outrora. Pois é, tanto medo de perder essa ou aquela pessoa querida e, hoje, quando perdemos alguém que tanto amamos, obviamente sofremos e muito, mas, o alento nos conforta, pois o raciocínio da maturidade chega e nos livra de toda a dor.

Quando somos maduros, não fugimos dos grandes desafios que a vida nos coloca a cada dia; é a fase em que somos mais precavidos. Somos mais cautelosos. Aprendemos a buscar a felicidade nas mínimas coisas. Tentamos nos equilibrar nesse grande trapézio que é a vida sem termos medo. Vamos experimentando a vida de uma maneira mais contida. Enfrentamos os problemas. Propomos soluções. Experiências vão sendo somadas, tanto as positivas quanto as negativas, e, cada vez mais, procuramos viver melhor, pois o equilíbrio nos faz serenar, meditar, refletir diante das situações cotidianas.

Precisamos lembrar, sempre, de que tudo tem a hora certa de acontecer. Não fiquemos preocupados com isso ou aquilo. É como está escrito em Eclesiastes: “Tudo neste mundo tem o seu tempo; cada coisa tem a sua ocasião” E continua: “... nesta vida tudo o que a pessoa pode fazer é procurar ser feliz e viver o melhor que puder.” (Ec 3: 1, 12)

Não custa nada procurar a felicidade. Pedras, encontraremos pelo caminho, com certeza. Mas, vale muito a pena tentar e enfrentar os sacrifícios e sair vencidos deles. Ficamos mais fortes, como aquela frágil borboleta. Sejamos felizes, pois ainda, viver é maravilhoso e, mais ainda, desafiador. Caso contrário, passaremos pela vida, simplesmente, sem tê-la vivido plenamente.

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Valmir Contiero
Enviado por Valmir Contiero em 30/08/2007
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