SUA FRAÇÃO

Numa determinada manhã fui ao supermercado a procura de um queijo fresco, o conhecido queijo mineiro, chegando ao balcão pedi ao atendente que cortasse pra mim 1/4 do queijo e ele olhou-me estranhamente e perguntou: "você quer metade do queijo, é isso?

Lamentavelmente ele ainda não sabia o valor e a importância das frações, não só na hora de atender um cliente na compra de um alimento, mas em tudo que nos cerca, como, por exemplo, quando a utilizamos para medirmos o quanto realmente fizemos na nossa existência, qual a fração do todo que pretendíamos fazer.

E talvez uma das questões que mais podem nos afligir é o quanto realmente conseguimos ser autênticos pelo caminho da vida, quanta leveza conseguimos sentir e quanta dela proporcionamos aos outros. Se houve momentos que conseguimos mais êxito, uma fração maior e se não conseguimos tanto, frações menores.

As pessoas andam pelas ruas vestidas com suas roupagens e algumas certezas que as ajudam a seguir em frente todos os dias, mas não acredito que em algum momento não parem e contem suas frações, frações do dia, da semana, do mês, de uma vida inteira. Pode até haver pessoas que não fazem essa conta com muita frequência, algumas por descuido, outras porque simplesmente já se sentem na fração que as satisfazem e não sentem necessidade de fazer um levantamento habitual da sua situação. Essa última hipótese me parece uma boa fração para se alcançar, aquela que nos caiba delicadamente, sem necessidade de grandes ajustes, que nos faça sentir a vontade com a vida que levamos, soltos e alegres como crianças grandes deveriam ser.

Parece mesmo que o grande problema é quando descuidamos das nossas frações e negligenciamos seus efeitos em nossa vida. Nos acostumamos com os desajustes dos personagens que vestimos mas que não correspondem ao que somos de verdade e acabamos aceitando e nos enquadrando a essa situação, atuando e decorando diariamente nosso papel.

Eu mesma provo diariamente o gosto desse desajuste, o quanto de mim fui deixando pelo caminho e os traços reais que deixei de descobrir, tudo para manter a vontade essa estranha que habita meu corpo todos os dias. Porém, a essência, por ser essencial, não se cala, no mínimo fica sussurrando aos nossos ouvidos.

Insisto em falar na essência por que sempre achei que ela tinha algo haver com a aptidão, o encontro do ser com sua vocação, sua capacidade de ser genial ou de grande importância para a sociedade, e que depois de alcançada muito pouco sobraria para nos assombrar. Mas hoje percebo que uma vida sem assombros não depende unicamente do encontro da pessoa com sua vocação, mas também de uma dose de sabedoria para viver, pois decididamente, sorrir não é tarefa fácil.

Como exemplo temos as histórias surpreendentes de pessoas que fizeram grandes coisas por conta de sua aptidão e são lembradas até os dias de hoje por conta delas, mas que a despeito de todo o reconhecimento e realização que tiveram, suas assombrações não se calaram e como consequência muitas dessas pessoas acabaram se isolando ou em muitos casos até tirando a própria vida. E aí me pergunto, qual teria sido a fração delas?

Quando fui visitar a exposição de Santos Dumont no Museu do Amanha, pude conhecer um pouco mais sobre o trabalho de Dumont e de sua vida. Ele foi um visionário, que além de enxergar longe também colocava em prática suas ideias com afinco e perseverança, pois sempre buscava aprimorar uma coisa ou outra no seu experimento, e essa persistência lhe garantiu êxito em seus projetos, modificando a realidade de seu tempo e de tempos futuros. Mas a despeito de toda a realização e vocação encontrada, acabou desiludido após sua grande conquista, que foi voar, ter ganhado caminhos para a guerra e a morte ao invés da vida. Ele se viu entristecido e acabou por tirar a própria vida. É claro que tudo isso é baseado no que é contado, por que o ato de tirar a própria vida dificilmente se baseia em um único fato, ainda mais de alguém com tantas conquistas.

Então é fato que a conta das frações não é algo certo e exato e tampouco tem a mesma medida pra todas as pessoas, cada qual tem sua historia, suas conquistas e desilusões, e o que vai realmente fazer a diferença na fração de cada um será um mistério.

De qualquer forma, com frações altas ou baixas, fico no time do filósofo Epicuro, segundo o qual a felicidade já se alcança quando conseguimos evitar o sofrimento. Um passo de cada vez, dia após dia, tornaremos nossas frações e vida melhores.

Boa Sorte!!!!!

Daniela Alarcon Vargas
Enviado por Daniela Alarcon Vargas em 09/04/2018
Reeditado em 09/04/2018
Código do texto: T6303735
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