ERROS QUE DÃO CERTO

Certa vez, ao visitar uma das unidades do SESC, por curiosidade, me aproximei de uma exposição de xilogravura encantadoramente colorida. Assim que coloquei os olhos na primeira gravura a guia da exposição veio ao meu encontro para explicar com mais detalhes a respeito daquelas obras e de seu artista. Porém, após uma rápida apresentação, ela delicadamente pediu que eu guardasse a garrafinha de água que levava na mão, pois segundo o regulamento não era permitido qualquer tipo de bebida naquele local. Na hora fiquei um pouco intrigada, mas atendi prontamente a regra imposta e guardei a “suspeita” garrafa em minha bolsa.

Como adulta, que acredito que sou, acabei por refletir posteriormente e encontrei certa lógica para esse regulamento, afinal tratava-se de obras de arte com valor inestimável para o artista e para as pessoas que o apreciavam e, apesar de saber que eu e nem ninguém iria aleatoriamente jogar água no lugar, acabei por aceitar a situação e engoli-la como um remédio necessário para me manter e viver em sociedade.

Acontece que certo dia fui à mesma unidade do SESC para comer algo e, como o refeitório fica bem ao lado da exposição, pude ver de longe o local, proibido para garrafinhas de qualquer espécie, mas desta vez me surpreendi com o que presenciei. Várias crianças correndo de um lado para o outro, algumas com rodinhas no tênis utilizando o corredor, tão cuidadosamente preservado para manter as obras expostas, como pista de patinação. Era uma verdadeira bagunça no lugar, muitas risadas soltas e palavras jogadas em tons altos, coisas que só as crianças tem a liberdade natural de fazer.

Então, novamente o adulto em mim exclamou: Cadê os pais dessas crianças para lhes ensinar boas maneiras? Como podem permitir que esses pequenos deflagrem um lugar tão solene, onde nem garrifinhas de água podem percorrer?

E fiquei buscando com os olhos alguém que deveria tomar uma providência diante da inércia dos pais que nada faziam para impedir aquela bagunça e ver o que tal responsável pelo local faria, já que a minha garrafa de água parecia infinitamente menos ofensiva para a exposição do que aquele movimento infantil descontrolado em seus corredores.

Aí felizmente meu olhar infantil me alertou, me fez enxergar como o lugar, antes habitado por um vazio de ocasionais visitantes, se tornara tão alegre!!! O lugar que antes parecia não interagir tanto com o resto a sua volta, ganhou vida, movimento, passou a fazer parte, a existir com mais naturalidade, e tudo graças à quebra de regra das crianças que, com sua inteligência instintiva, reconhecem na arte a sua essência de liberdade e sonho e que as obras expostas devem servir como um pano de fundo para a vida que precisa acontecer e por isso não se poderia exigir tantos cuidados ao interagir com ela.

As crianças corriam, brincavam de tentar pegar umas as outras, tiravam as poltronas milimetricamente ajeitadas ao lado do espaço, riam alto e solto. Quanta bagunça!!! Mas com ela a alegria de se estar vivo, respirando, brindando o presente. Os quadros tornaram-se cúmplices daquele movimento, dava pra sentir o artista rindo, brincando com as crianças e provavelmente feliz ao ver sua obra tão bem acompanhada.

Obviamente, que regras são necessárias, inclusive para as crianças, pois fazem parte do nosso convívio em sociedade. Mas devemos também tirar algum proveito da anarquia dos pequenos, da essência que corre sem rédeas, é a liberdade do vento que não é vento se for aprisionado. E assim, as crianças são capazes de nos ensinar que regras também precisam ser quebradas para se movimentar, alegrar e viver!