O SERESTEIRO
O SERESTEIRO
(Almir Morisson)
Um mês antes do evento, eu e todos os ligados à música recebíamos um telefonema convidando-nos para o seu aniversário. Era em julho e seria comemorado, como sempre, em sua residência de veraneio no Mosqueiro com uma enorme seresta. Os que queriam levavam seus instrumentos, violões, atabaques, pandeiros e principalmente teriam tempo para afinar a voz...
Seresteiro de fato era ele. Hoje levamos microfones, alto falantes, caixas de som. Só que com ele era no gogó.
Isto atrapalhava um pouco, pois às vezes a conversa paralela, principalmente das senhoras fofoqueiras ficava tão alta que a competição com a seresta era desleal. Hoje é só aumentar o volume do som e mandar todo o resto pras cucuias. Mas lá...
Uma vez, num dos aniversários dele, lembro que o papo já estava no limite, quando ele parou de tocar, aumentou o mais que pode a voz, e tentando vencer a todas pediu desculpas dizendo:
- Vou parar um pouco pra não atrapalhar a conversa de vocês. Logo, logo eu volto.
Foi um balde de água fria e tudo voltou à normalidade.
Assim era o meu amigo e companheirão de todos os que gostavam de música.
Mas, como acontece com todos, um dia ele se foi tocar e cantar num plano mais elevado. Sentimos sua falta. Principalmente nas serestas regadas a bebidas e quitutes celestiais.
Algum tempo depois de sua morte fomos convidados a um encontro musical na casa de um parente de um dos nossos amigos violeiros. Lá estavam a maioria dos conhecidos dele, inclusive uma participante das rodas de sua casa que as más línguas diziam ter sido um caso dele na juventude.
Não sei se era verdade, mas se assim fosse ficaria feliz, pois amava os dois. O que posso garantir é que, naquele dia, quando rolava uma música do seu repertório costumeiro, lágrimas caíram pelas faces da referida senhora, que visivelmente lembrava-se saudosamente dele.
No dia seguinte, já em casa, lembrando-me do fato e evocando seu repertorio preferido como “Contigo aprendi” do Manzanero, “E por falar em saudade” do Vinicius, resolvi compor uma música em sua homenagem tentando pelo meio lembrar seu nome, sem dizê-lo explicitamente. Incluí também no fim da música a frase “Eu sei que vou te amar” que ele amava colocar ao fim de cada música interpretada lembrando o poeta maior.
Ficou assim:
VELHO AMIGO
(Almir Morisson)
Foi ontem que vi teus olhos
Brilhando que nem fogueira
No tempo da cantoria
Na hora que fui cantar
As águas que caem dos olhos
São saudades das cantigas
E que ontem naquela hora
Quando o peito quebra e chora
A lua na noite traz
Lágrimas são sentimentos
Quem sabe segredos
Que a vida não conta
Mas hoje despontam
Nas águas do olhar
E por falar em saudade
Seresteiro velho amigo
Que hoje não vejo mais
Mas sinto nestes acordes
Das cordas que o tempo afina
No pinho que me traz paz
Dele valem as lembranças
Os arroubos de paixão
Que “contigo aprendi”
Velho amigo, vou lembrar
Do teu:
“Eu sei que vou te amar...”
Podem escutar a música no “Recanto das letras.com” e, pelo menos os mais chegados, tentem descobrir pra quem eu fiz...