Pretérito Perfeito
Limpei as gavetas. Separei o lixo. Joguei fora. Guardei o que interessava. Ia quase me esquecendo de olhar na última gaveta. Ela meio que gritou para mim. Então, me abaixei e a abri. Lá, apenas uma foto.
Aquela foto que eternizara nosso melhor momento. Pensei em rasgar sem nem sentir. Mudei de ideia. Sentei-me no chão. A mobília quase toda já se tinha ido. Deixei as outras coisas e tralhas de lado. Fiquei somente com a foto.
Não me cansava de contemplá-la. Logo, as lágrimas vieram molhar e aquecer o momento. Chorei um bocado. E aceitei aquele choro. Era preciso. Aquele fora o meu melhor momento até ali. Derramei todas a lágrimas.
Depois, levantei-me e me dirigi ao banheiro. Lavei meu rosto. Voltei ao quarto e peguei minha bolsa de mão e uma toalhinha que estava sobre a caixa. Levei ao banheiro. Retirei minha nécessaire de maquiagem e me refiz por inteira. Era preciso apagar todo e qualquer traço daquela dor que acabara ali, naquele chão do quarto, com aquelas lágrimas. Lágrimas de luto, de último sofrimento, de desapego final.
Guardei minha maquiagem e a nécessaire dela, junto com a toalhinha. Retornei ao quarto. Peguei a foto no chão, sequei as lágrimas nela na minha roupa e a guardei em um dos álbuns da última caixa que eu levaria embora. Álbum de recordações de passados perfeitos, e bem resolvidos, da minha vida.
Peguei a bolsa e a última caixa, saí do quarto, desci as escadas em espiral. Sempre amara aquela escadaria. Passei pela área de conceito aberto onde ficavam a cozinha, sala de jantar e sala de estar, com linda lareira, e me dirigi à porta, sem mais olhar nada. Em mim, tudo ali já era passado, e eu toda já ansiava por conhecer o futuro.
Passei pela porta entreaberta, trancando-a atrás de mim. Segui para o portão, que também tranquei após passar. Entrei no taxi que me esperava ali na frente. Dei a ordem de partida. Coração leve, mente tranquila, sem remorsos e já sem dor. Vivera uma ótima vida ali, mas aquele ciclo acabara e agora eu estava pronta para mais um recomeço. Nunca me iludira sobre eternidade daquele momento: por morte ou desalinho de vidas, é certo que um ciclo sempre se finda para outro começar.
Marta Almeida: 13/03/2018