Só covardes sonham

As bugigangas mais duradouras que possuímos são as que menos gostamos. Quando gostamos demais, usamos até exaurir sua essência. Extraímos o conteúdo de tudo aquilo que apreciamos e o deixamos secos, descoloridos e inertes. É o lixo do que foi um luxo para nós. Não é um capricho pessoal como as colheres de Uri Geller, nem uma regra bizarra, tal qual a lei de Murphy. É a lógica do consumo. Com nossos sonhos acontece o mesmo. Gostamos deles porque acabam depressa. Nós os consumimos ou os desprezamos.

O consumo é atemporal: importante é consumir no presente, pois no futuro, quando feito, também será num presente daquele momento. Em matéria de sonhos o que não é atemporal são as visões, desde o passado ao futuro. As visões são definitivas. As temos para sempre e só nosso sucesso em alcançá-las nos faz sentirmos corajosos perante a vida. Então vem o paradoxo de tempos em tempos, quando acreditamos que tudo é efêmero, já que tudo acaba um dia e origina um novo. Assim, consumir hoje é consolidar aquilo que será um dia. É acabar já ou iniciar o fim de algo para o começo de alguma outra bela coisa. Realizar os sonhos agora é encerrá-los ou criar novos, assim, cadê a importância, se os que acabam geram outros, quando não esquecidos.

Então, não vale a pena ter aquilo que não gostamos, só porque dura mais. O critério de persistência no tempo faz com que separemos nossos sonhos: alguns duram flashes, esquecemos rapidamente deles a cada manhã após o sono, outros duram eternidades, quando significam anseios ou desejos. Os sonhos estranhos de cada dia, um voo na noite ou os encontros recorrentes com pessoas ou lugares são tão essenciais quanto o sonhar com a prosperidade pessoal.

Só a visão de um mundo melhor é um ato de coragem. Os sonhadores são covardes e talvez, os reais consumistas.