Crônica do dia

Era apenas mais um dia como tantos outros que se tornaram passado em sua vida. Olhar o tempo com o mesmo olhar de sempre, pensar as mesmas coisas de sempre, querer o que nunca se conseguiria, sonhar sonhos com os mesmos desejos de sempre, tudo isso estava se tornando uma rotina que o incomodava cruelmente.

Mesmo assim, lá estava ele parado, pregado no chão de terra batida a imaginar uma fuga daquilo que passou a considerar sua “prisão voluntária”. Ali, em frente daquele enorme mundo de água, com marolas a enrolar o vento, ora vindo, ora indo, ele se propunha a dar um novo sentido na vida que carregava mundo à fora por mais de sessenta décadas e que a lugar nenhum o levara até então.

Pensava enquanto atirava pedras pequenas na água. Pensava enquanto tirava de sua mente as decepções colecionadas ao longo dos anos e com as pessoas que passaram por sua existência. Tudo ia se desenhando como um velho e repetido filme. Era preciso arrumar um jeito de limpar a mente e arejar os pensamentos para que as mesmas seqüências indesejadas não permanecessem como memória eterna.

Rodou o olhar pelo ambiente e não se surpreendeu com a imensidão da solidão que o rodeava. Nada além dele e do oceano que rugia bravo como a cantar canções de piratas naufragados em suas águas misteriosas por onde habitavam sereias encantadoras e monstros marinhos assustadores. Era tudo ele e somente ele e o mar. Assim, o tempo foi correndo por seus pensamentos e fragmentos de recordações.

Por mais que se esforçasse não conseguia encontrar um desvio no seu caminhar que o tirasse da estrada que percorrera até aquele momento, e que não queria mais seguir por tal caminho. Fixou seu olhar na espuma branca na crista das marolas oceânicas, deixando-se acompanhar o movimento que elas faziam ao tocarem a areia molhada e se dissolverem com espirros de bolhas d´água estourando no nada. Era incrivelmente belo e misterioso o nascer, ser e morrer da espuma.

Sentado ali na beira do mar ele passou todo o dia. Não comeu, não bebeu, não se mexeu, não saiu de onde estava e só se deu conta que o dia acabara quando o sol mudou de lugar em seu corpo e começou a se esconder no horizonte contrário ao oceano. Lá, na linha onde o mar encontra o céu, um tom escuro de negro em construção ia devorando o então azul provinciano que dominara o céu. A noite vinha vagarosamente absorvendo o dia.

Então sentiu fome, sentiu frio, sentiu-se só... extremamente só. Pensou em levantar e sair dali. Mas ir para onde? Martelava a pergunta em sua mente. Mas também não queria ficar onde tudo tornou-se tão igual a tantos outros iguais de ultimamente. Piscou várias vezes como a querer adaptar a menina dos olhos ao novo tom da vida que chegava com a noite. Coçou a cabeça e olhou ao redor... Ele, somente ele, e a escuridão que lhe roubou o oceano da visão.

Levantou-se... as pernas doeram, o corpo todo doeu. A dor não tinha importância porque era insignificante se comparada com a dor que carregava ao longo dos anos na alma. Essa doía muito mais forte como uma dor que não se sente na carne. E com suas dores saiu do lugar onde passara todo o dia. Seus passos foram deixando na areia molhada as pegadas de quem busca por si mesmo no universo do desconhecido.

Passos e pegadas caminhando juntos em direção a quem procura encontrar o caminho que o levará a seu destino. Ou... outro caminho, quem sabe em outro lugar sem nunca mais estar sozinho.