Gato tem umbigo?

O menino brinca no tapete da sala com o primo. Debruçados sobre as folhas de papel, rabiscam com os lápis coloridos.

__O que é isso? __Perguntou o menino, apontando para o desenho do primo.

__É o céu, por quê? Não parece? __Perguntou o primo confuso.

__Não, céu é azul. Você pintou de vermelho. Eu nunca vi céu vermelho.

__Eu já, quando meu pai vai chegar, de tarde, o céu é vermelho.

__Não é. __Retrucou. E levantou correndo em direção à cozinha. __Manhê, tem céu vermelho? __Tia, não tem céu vermelho? __Interveio o sobrinho.

__Tem, tem sim. É a hora do pôr-do-sol.

__ O pôr-do-sol não é o céu.

__Filho presta a atenção, a luz solar é composta de diferentes cores.

__Mãe, eu estou falando do céu.

__Então, é do céu que eu estou falando também. A cor azul é espalhada de maneira muito mais eficiente do que as outras.

__Então, é disso que eu estou falando, todo azul.

__Sim, mas o Sol quando nasce e também no fim do dia, seus raios fazem um caminho muito mais longo na atmosfera...

__Sim, e daí? __Pergunta impaciente.

__Daí que apenas o laranja e o vermelho, alcançam a região visível aos nossos olhos. É por isso que vemos o céu avermelhado nesses períodos do dia.

__Eu nunca vi.

__Então precisa observar.

Os meninos voltaram para a sala e continuaram a pintar.

__Se tem céu vermelho, eu vou pintar o meu de vermelho também.

__Agora você já pintou de azul, __retrucou o primo.

__O que é que tem, minha mãe disse que tem céu de todas as cores.

__Não, ela disse que tem raios de todas as cores.

__Manhê... __A mãe fingiu que não ouviu.

Os meninos coloriam os desenhos quando o primo perguntou: __Isso é um gato ou uma gata?

__É um gato, não está vendo?

__Não, não estou vendo, parece uma gata, olha a teta dela.

__Não é teta, é o umbigo dele. __explicou, o menino indignado.

__Ué, gato tem umbigo? __Perguntou o primo.

__Tem.

__Você já viu? __O menino pensou, pensou, pensou. Levantou e correu na direção da cozinha.

__Mãe...

__O que é agora?

__Gato tem umbigo?

¬¬__Tem, filho, todo mamífero tem umbigo.

__Você já viu?

__Não, eu nunca vi, mas sei que ele não se parece com o umbigo de um humano.

__Um o que?

__Humano, nos somos humanos. Os gatos são felinos e o umbigo deles é uma longa cicatriz, que não vemos porque é coberta por pelos.

__ Ah! __ O menino voltou para a sala com ar vitorioso. __ Minha mãe falou que tem. Tem sim. Gato tem umbigo.

No final da tarde a sala era uma lixeira gigante. A mãe arrumava tudo. __Hora de tomar banho para o jantar. __Avisou a mãe.

A campainha tocou, o menino correu para a porta. __Não senhor, pode deixar que eu atendo, você vai tomar banho, agora, já.

Lá de cima ouviu a voz da avó. Era mau sinal. A avó em casa, naquela hora, significava que os pais iriam passear e ele ficaria.

__Eu não vou ficar. __Desceu gritando. __Eu vou também.

__Você vai onde, eu posso saber? __ Perguntou a mãe.

__Onde você for.

__Ah, é? E onde é que eu vou, você pode me contar?

__Não sei, mas eu quero ir também.

__Lá, não entra criança.

__Eu não sou criança. Falou alto.

__Você só tem cinco anos, como não é criança, você pode me explicar?

__Ainda ontem você disse que eu era um moço.

__Eu não me lembro.

__Eu queria dormir na sua cama e você me disse que eu era um moço.

__Filho, senta aqui. __Bateu com a mão no sofá, ao seu lado. __Isso, ouça.

__Para certas coisas você é um moço, para outras coisas você é uma criança. __A mãe explicava pacientemente.

__Mãe, o que é uma coisa?

__Ai, meu Deus. __ Filho presta atenção, quando você souber o que é uma coisa, é que você já cresceu, deixou de ser criança. Está bem assim? __ Aquiesceu pensativo.

__Eu sou uma criança. Enquanto eu não souber o que é uma coisa, eu serei uma criança.

O pai chegou, o menino foi encontrá-lo sem a euforia habitual.

__O que aconteceu? Acabou a bateria? __Perguntou o pai.

__Tem gente que não está gostando muito de ficar em casa. __Interveio a mãe.

__Não diga. E o que você faria lá. __Disse, acariciando a cabeça do filho. __Você ficaria sonolento, com frio, com saudade da sua cama...

__Pai, eu posso telefonar para minha tia? __ Pode, vamos lá. __Tirou o telefone do bolso, discou e entregou ao menino. __ O que você quer falar com sua tia?

__Oi tia... espera um pouco. Pai é particular.

__Oi tia.

__Oi meu bem, como vai você?

__Tia, eu estou telefonando, pra saber se você sabe o que é uma coisa.

__Que coisa, meu amor?

__Ah, tia, você também não cresceu ainda.

O menino estava decepcionado, ninguém o entendia. Ninguém o esclarecia. Deu uma olhada na sala. Só a avó tricotava no sofá. __Vó, você sabe o que é uma coisa? __Perguntou. __Sei sim. __ Respondeu a avó. O menino abriu um sorriso imenso. __Fala, vó, antes de a minha mãe sair.

__ Falo sim, você é uma criança.

__Ah...

(Essa crônica é parte do livro "Mãe não sabe de nada")

Luzineti Espinha
Enviado por Luzineti Espinha em 13/02/2018
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