Historinha das "Perdidas"

Terça-feira gorda, fico esperando passar os blocos para dar uma olhada. Enquanto isso, fico remoendo o passado. Não é mais nem costume, virou vício, este véio é viciado em recordar o passado.

Vamos a uma parte. Eu tenho um amigo, hoe setentão, com uns 76 ou 77 anos, mais velho que eu uns três anos, que quando moço era frequentador assíduo do cabaré da terrinha, o famoso Itapoã, o melhor cabaré dointerior pernambucano. Palavra de honra. . Ele sobreviveu até o final dos anspos setenta. Arevolução dos costumes, a pílula, o fim de certos tabus e preconceitos deletou o cabaré.

Esse amigo, apesar de liso, igual a mim, era muito jeitoso com as mulhres daquele local, as chamadas "perdidas" (apelido dado pelas matronas rspeitáveis e algumas malamadas) ou putas como a maioria as chamava. Nunca chamei-as de perdidas e nem de putas. Esse amigo com sua converssa mansa, descontraída, sempre elogiando as mulheres, não pagava nada, e era disputado por todas elas.

Mas o que ele mais curtia, talvez fose isso que gerasse a amizade delas, era ouvir as suas histórias. Ficava na cama fumando e ouvindo a história da vida delas tim-tim por tim-tim, passava horas ouvindo. E decorava, depois anotava, mas como era ruim de escrita, eu o ajudava, ele ia contando e eu anotando num velho caderno. Era sempr quase a mesma coisa, a dona fora enganada pelo namorado, pelo noivo, cochilara e o cachimbo caíra , aquela historinha do cara que dizia "é só a cabecinha...". E havia as que se ariavam por um "malaco" ou policial, enbuchavam e o cara anao queria casar. Resultado: o pai botava para fora de casa de mala e cuia. A única alternativa era se prostituir. Eram histórias meio tristes, algumas tristes demais porque antes de ser expulsas levam pisas de ter que ir pra palha da bananeira. Mas uma das historinhas, a minha predileta, foi de ua ourinha, muito bonita e sapeca, a alegria do Itapoã, chamada Adelita, havia um cantor do cabaré que todo dia cantava pra ela aquela música sucesso na voz de Nat King Cole: "Se Adelita se fuera com outro/ la seguiria por terra e por mar, se por mar num buque de guerra, se por terra num trem militar...". Ela contou algo hilário. Reproduzo um trecho: - Oli, quiridinho, pois euzinha não virou puta porque um soldado me comeu, um namorado me nganou ou cai no gorpe de so a cabecianha, sou puta porque sempr quis ser puta, adoro ser puta...".

Ficamos sem notícia dela, mas há uns cinco anos esse amigo esteve na Bahia e se encontrou com ela. Casada, rica, socialite do lugar, falou com o amigo e disse: - Se fosse boatar meu tempo antigo ningupem vai acreditar, quem manda na sicidade sou euzinha, mas ainda tenho saudade do tempo de puta. E arrematou: - Querido, uma vez puta sempre puta!.

Já ouvi uma zoada, vem aí um bloco, vou olhar, ver com os olhos e lamber com a testa. Que saudade de Aelita. Se Adelita se fuera com outro, la seguiria por tera ou por mar... Inté.

Dartagnan Ferraz
Enviado por Dartagnan Ferraz em 13/02/2018
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